O Jogo e a Arte :considerações semióticas
PROPONDO
O propósito desde artigo remonta aos anos 80, durante minha dissertação de mestrado ECA-USP, discutindo o jogo em Piaget, e se prolonga aos dia de hoje nas pesquisas desenvolvidas por mim junto ao LAPIC- ECA USP, no sentido de buscar uma reflexão mais crítica , junto ao pensamento de Jean Piaget-1896-1980- epistemólogo suíço e, em contrapartida , as perspectivas peircianas do ícone - Charles Sanders Peirce- semioticista americano , para efeito do vislumbre de instâncias da comunicação infantil , nas mediações culturais, especificadamente do jogo e da arte .
Piaget adicionou ao campo da Epistemologia Genética novos patamares para se conhecer os recônditos da comunicação nas mediações dos processos lógicos , do conhecimento , da inteligência humana , com destaque para a estrutura inteligente da criança , seu desenvolvimento ,passando assim pelos processos da arquitetura da comunicação e dos procedimentos semióticos, que ai se entrelaçam com o jogo e arte infantil .
O JOGO , A ARTE INFANTIL :O DESENHO
O objeto primordial de estudo em Piaget nunca esteve ligado ao jogo como um todo . Sua incursão se dá no jogo infantil , face ao seu paralelismo com os estágios de desenvolvimento do pensamento .
O empreendimento basilar em Piaget é cobrir o terreno das interações inteligentes do homem com o seu meio , afirmando assim a conduta inteligente ou cognitiva (Ribeiro :1991:17).
Piaget persegue a gênese do desenvolvimento do pensamento , encontrando a "equilibração " como princípio oriundo das ações e daí advindo "os princípios lógicos ".
A descentração se constitui paradigma sobre o qual se desenvolvem as etapas de desenvolvimento . Principiando de uma ação , com a conseqüente interiorização e o aparecimento da imitação junto às imagens mentais , surgem esquemas que definirão as operações cognitivas inteligentes , afirmando a "equilibração ".
Dessa forma , o jogo infantil na concepção piagetiana compreende o percurso do mecanismo de descentração.
O "egocentrismo " constitui sua marca fundamental , admitindo a imaginação , a fantasia , como característica plena . Não há nele espaço para a objetividade , nem para o raciocínio , pois o mesmo se inscreve na "intuição subjetiva " (Pulaski:1986:63).
O jogo de regras , por sua vez , "mal se esboça " já não se constitui jogo infantil , pois se inscreve na objetividade racional . Sua única escapatória se constituirá no domínio da arte , pois a arte , segundo ele , prolonga o jogo (Castro:1974:28).
Amélia Domingues de Castro, ao tratar das questões didáticas dentro de um modelo piagetiano, considera a viabilidade do jogo dentro de uma aplicabilidade do "fazer artístico infantil ". Aqui , o jogo se constituiria como a mais adequada forma para experienciar "a expressão artística ". O jogo permitiria o escoar da imaginação lúdica , afirmando padrões estéticos e construindo seu estilo , portanto , suas peculiaridades dentro do seu simbolismo (Castro:1986).
Considerando sua escassa ou quase nula produção sobre a arte , Piaget, ao descrever as funções semióticas , destaca o jogo e o desenho . Vê , neste último , uma forma de resgate do jogo , com suas respectivas fases . A relação entre o desenho e o jogo foi por ele estudada através da classificação do desenho infantil feito por Luquet (Piaget:1989:56 a 60) (4).
Piaget, tomando as fases luquetianas, tenta provar , de igual modo , que o desenvolvimento do jogo /desenho acompanha a forma de desenvolvimento conceitual .
"O interesse desses estádios de Luquet é duplo . Constituem primeiro uma introdução ao estudo da imagem mental , a cujo respeito veremos que ela também obedece a leis mais próximas das de conceptualização do que da percepção ..." (Piaget:1989:58).
Neste aspecto , Piaget é novamente reducionista, pois quer impingir até mesmo no desenvolvimento gráfico as fases de conceituais, como se a abordagem da arte fosse uma linguagem discursiva, como a do signo lingüístico . Se alguns procedimentos do desenvolvimento gráfico são verificáveis de modo mais ou menos harmônico com a linguagem verbal , isto se deve ao fato de existirem padrões culturais ativos e que determinam verdadeiros estereótipos no desenvolvimento gráfico infantil , ou seja, o plano conceitual da palavra influenciando a configuração da imagem para um plano figurativo.
As Implicações Educacionais
O fazer artístico se constitui pelo jogo das percepções , atrelado a uma condição de operação inteligível . Quando o sujeito se confronta com a materialidade , esta impõe suas exigências físicas ao sujeito-criador que as adapta ao seu intento . Assim , as regras da criação têm que se conciliar ou pactuar com as leis físicas do objeto . Neste aspecto , a verdadeira criação se coloca como um jogo que congrega o esforço sensório-motor e a imaginação no seu aspecto criador-simbólico, junto com suas regras do contorno imaginativo , em concordância ou em harmonia com o que a matéria requer ou possibilita.
Convivem, portanto , o plano sensório-motor e o imaginário através do simbólico que , por sua vez , se expressa junto às regras imaginativas, bem como as regras da execução técnica . Essas últimas tratando a matéria e possibilitando ao pensamento inteligente o amoldamento da regra imaginativa .
O conhecimento na arte difere de um conhecimento discursivo, que sempre almeja a objetividade . A experiência artística requer o jogo como fórum de exposições de sentir , de dizer no sentido de se expor .
O discurso na arte não conclama um ouvido , um olho ou um tato conceitualizados (senão para a compreensão e discussão dos aspectos técnicos ), mas a uma recriação face ao que está posto e é digerível pela percepção .
A objetividade existe do ponto de vista da forma que medeia, mas as significações dali depreendidas estão abertas , podendo então ser aparentemente deformadas no sentido de reconstruir , de reapresentar . Assim , não será apenas por um egocentrismo (enquanto limite da capacidade infantil face ao inteligível ), mas pela subjetividade à qual todos estamos submetidos.
"Com sua linguagem global , a criança se faz compreender pelo outro , que mergulha em sua consciência e apreende, através da ordem racional de suas palavras , a totalidade do fenômeno . Isto decorre de que , assim como em matéria de desejo não projetam o objeto a ser representado num plano único , do mesmo modo em matéria de linguagem não projetam o sentido no único plano da fala lógica . Seria preciso estudar a linguagem em estado vivo , não a linguagem do lógico , mas aquela pela qual se fazem compreender o orador , o escritor e o próprio cientista . Ver-se-ia então que , em certos aspectos , a linguagem não pode deixar de ser "egocêntrica ". Se Piaget deixou de lado esse fato , é porque os dois exemplos por ele escolhidos (história ou mecanismo ) são extremos nos quais há excesso ou pouca lógica " (Ponty:1990:61).
"Na criança , o mundo percebido precede o mundo concebido (pela inteligência ). Piaget recusa a esse mundo percebido toda a estrutura estável ; a inteligência somente poderá introduzi-la. Daí, sua crença em uma não permanência dos objetos no mundo infantil (Ponty:1991:200).
Partindo destes pressupostos que nos devem chamar à atenção para as formulações metodológicas ligadas ao jogo , especificamente no trabalho com a arte , é importante :
. que se reconheça o jogo como algo que se estrutura nas realizações senso-motrizes, imaginárias e simbólicas, bem como regradas, pelo imaginário e pelo social ;
. que se perceba a sua relação com o sensível e com o inteligível ;
. que se reconheça sua tendência à criação da forma , no sentido da construção estética ;
. que se oriente o educador por uma prática de pesquisa junto à cultura infantil , familiarizando-o com o universo do outro , permitindo, conseqüentemente , o conhecimento e reconhecimento do jogo do outro , atuando em negociações que a prática educativa requer;
. que se reconheça um saber no plano do jogo estético , como uma outra forma de exprimir o mundo , não se restringindo ao signo lingüístico , portanto , à linguagem verbal . Na verdade , as duas podem se interpenetrar, construindo um homem de maior capacidade expressiva e de compreensão de um mundo com variações de entendimentos e linguagens ;
. que se reconheça o jogo na sua função significativa de construções sígnicas, portanto de desenvolvimento do processo semiótico.
O Processo Semiótico e a Educação pela Arte
Se Piaget, ao propor sua classificação de jogos , os reduziu ao desenvolvimento e, portanto , aos limites da inteligência (e com isso radicam as críticas a ele ), é de se reconhecer que o mesmo , concomitantemente , iniciou uma compreensão do que seria o processo semiótico no desenvolvimento infantil .
Se seu projeto semiótico não possui uma coerência face :
. a sua restrição ao plano da linguagem verbal e, portanto , ao condicionamento do deflagrar do processo semiótico somente com o desabrochar da fala ;
. à diversidade e incoerência terminológica das tipologias classificatórias do signo e do símbolo , que se explica tendo em vista a grande confusão reinante nas teorias embrionárias da semiótica e da semiologia . Predominava àquela época a teoria saussureana do signo lingüístico , portanto de uma semiologia ; o projeto semiótico abrangendo não só a linguagem verbal , mas todas as linguagens , estaria por ser difundido com o advento da teoria peirceana.
Neste sentido , seria importante para uma recompreensão do jogo enquanto função significante e do estudo do arcabouço semiótico piagetiano face às propostas de Charles Sanders Peirce.
Peirce consegue no seu projeto superar a célebre relação diádica Saussureana que prevê a existência no signo de um significante /significado . Ele cria a figura do interpretante , que nada mais é que um signo de outro signo (Rodrigues:1991). Assim , um significado de um signo será sempre um outro signo .
O significado peirceano é um processo significante que se desenvolve por relaçðes triádicas- sendo o interpretante o resultado ou o signo /resultado in continuum que produz esse processo - interpretante .
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Peirce partindo da lógica constrói um panorama da Semiótica , sem se prender a um confisco das linguagens em específico , o que não ocorre em Piaget.O primeiro busca uma teoria geral dos signos , e sua lógica , que da conta de todo e que qualquer signo .
Piaget , entretanto na busca de categorias lógicas para o entendimento da inteligência da criança , apropria-se da linguagem verbal , destacadam,ente , e com ela busca encontrar os primeiros parâmetros semióticos, ou a chamada função semiótica , que para ele se associa a representação , no sentido simbólico.
Acredito, como assim o faz Grellet, que seja possível aproximar as produções teóricas piagetiana e peirceana, mesmo considerando suas semelhanças e diferenças , para efeito do desenvolvimento do estudo do desenho infantil ,o que deverá ser objeto , em outro momento , de outro estudo . Todavia , é importante que aqui se aponte tal fato , uma vez que é necessário que a metodologia do ensino-aprendizagem se empenhe no estudo do jogo , da arte , ou do conhecimento infantil , através do discurso piagetiano versus a perspectiva da Semiótica peirceana.
É necessário reconhecer as categorias do signo dentro de uma visão peirceana, atrelada às fases do desenvolvimento piagetiano, o que possibilitará empreender uma pedagogia mais adaptada à criança , identificando em suas fases de desenvolvimento o desenrolar de um processo semiótico, que conjugará desde o ícone , o índice e o símbolo , afirmando ou consolidando níveis de conhecimentos diversificados.
Considerando, assim , que o signo é a grande mediação entre o sujeito e o mundo , a que se reconhecer à função semiótica que , no meu entender , se constitui como "praxis integradora de todo ser universal " e colabora para a tradução e reinvento de motivações significativas, nas quais se encontra o jogo e arte infantil . Esse se traduziria como forma de dar sentido ao mundo , a si e aos outros , ou mesmo de produzir a comunicação , nas estratégias do jogo e na arte .
"...para se estar no mundo temos a necessidade de conhecê-lo e, para isso , somos exigidos sempre a participar do seu processo de produção de significados e intervir no seu movimento de significação: ler-significando" (Gardin/Oliveira :s/d).
Desta feita , a semiótica peirceana poderá recobrir as lacunas do projeto epistemológico, no que toca a proposta semiótica e no tocante a construção do paradigma lógico , piagetiano, alargando-a e complementando-a ou , numa visão peirceana, ressignificando Piaget, o que creio ser a minha próxima tarefa de estudo .
BILBIOGRAFIA
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(4)Para Luquet, o desenho infantil acima de tudo é um jogo. Ele vê o desenvolvimento do mesmo em diferentes fases, ou seja, o realismo fortuito, o realismo fracassado, o realismo intelectual e, por fim, o realismo visual. Ele afirma ainda que o desenho infantil, no que toca o realismo, se realiza dentro daquilo que é idealizado ou no que criança sabe (Luque, G. H. - O Desenho Infantil:1969).
(5) Merleau Ponty (1908-1961), filãsofo, fenomenãlogo francês, foi professor na década de 50 em Paris, no Collège de France, onde lecionou Psicologia da Criança e Pedagogia. Foi seu sucessor nessa disciplina Jean Piaget. Ponty teve oportunidade de se confrontar com os trabalhos de J. Piaget. Reconheceu ele grande parte do trabalho piagetiano, mas teve críticas a alguns pontos de sua teoria sobretudo no que diz respeito ao egocentrismo e a percepção. No plano mais macro da teoria piagetiana, Ponty discorda, pois entende que aquele teãrico quer "compreender a criança como um adulto incompleto", se dirigindo a uma construção "completa " do conhecimento.
Estudou, também, Ponty o desenho infantil, onde teve oportunidade de reconhece-lo como jogo, como assim o disse Luquet, o qual ele cita e concorda (Coelho Jr, Nelson:1991:81,82).
(6) Aliás este termo Piaget já utiliza em sua obra denominada "Psicologia da criança" (1989), onde ele reconhece o aparecimento de "semiosis" como construçðes significativas prévias que antecedem a linguagem, sobretudo na linguagem do surdo-mudo.
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