A INFÃNCIA, O JOGO E A TV: AS RELAÇÕES POLÍTICAS E A EDUCAÇÃO
DR PAULO ALEXANDRE CORDEIRO DE VASCONCELOS
LAPIC- ECA –USP e UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI -UNP-RN
1-INICIANDO
A presente comunicação tem como foco refletir sobre o brincar e sua projeção no social e imaginário infantil tendo em vista algumas variáveis tais como: os meios tecnológicos, as relações políticas entre os pares, o tempo e o espaço.
Nossas propostas de reflexão nessa área se montam a partir de nossas pesquisas e estudos teóricos na área da comunicação educativa para um olhar sobre a mídia e recepção, a partir da televisão e internet, e atualmente com pesquisa junto a universitários da rede privada, através da recuperação da percepção dos mesmos sobre o tempo e a mídia na infância nos anos 80. Estes jovens, hoje alunos de universidades na faixa dos 19 a 23 anos, em curso de Publicidade e Propaganda, deram-nos seus depoimentos em numero de 239.
2-CONTEXTULAIZANDO A PESQUISA
2.1- INÍCIO / UNIVERSO / AMOSTRAGEM/: NUMEROS DE INFORMANTES
Nossas reflexões mais recentes prendem-se à nossa pesquisa sobre o tempo o jovem e a mídia desenvolvida junto a Universidade Anhembi Morumbi- Curso de Pedagogia, trabalhando com as tecnologias e a produção do conhecimento- em que analisamos o uso do tempo na infância e os suportes midiáticos assim como o brincar.
A pesquisa teve início no mês de fevereiro de 2002, com as delimitações teóricas e rearranjos dos instrumentais de pesquisa, questionários e entrevistas.
Para efeito de cercar um universo de amostragem, foram escolhidos os cursos de Pedagogia – alunos do último ano - e os de Comunicação Social, alunos do primeiro ano, de modo a cercar na amostragem sub-amostragens de diferenças nas faixas etárias.
Quanto à escolha dos cursos, estas se deram pelos seguintes motivos:
O de Pedagogia, por se tratar de um curso cuja habilitação-TECNOLOGIA EDUCACIONAL tem a preocupação de refletir tal foco - tempo mídia e jovem-.
Com relação ao CURSO DE COMUNICAÇÃO a escolha recai, na habilitação de Publicidade e Propaganda cuja preocupação é oposta ao de Pedagogia, ou seja , enquanto a proposta em Pedagogia é uma crítica para com a mídia, em Publicidade o alvo é a Mídia atingir o jovem.
2.2- O INSTRUMENTAL E SUJEITOS DA INFORMAÇÃO
Os questionários aplicados em grupo, cuja técnica consistiu de 18 perguntas abertas, anunciadas ao grupo de sala de aula e respondidas em seguida com tempo de um minuto, visou observar a recuperação da percepção dos mesmos sobre o tempo e a mídia na infância nos anos 80, atingiu num primeiro momento 239 estudantes em idades que se concentram entre 19 e 23 anos
2.3- REDIRIGINDO O FOCO
Do material coletado - os questionários, abre-se um espaço para a análise do tempo do brincar disputando sobre o tempo televisivo e as relações sociais e políticas ali mantidas na expectação televisiva -da recepção -e da ação do brincarem paralelo ou como ação inserida na recepção televisiva.
A partir de então passamos a refletir sobre este corte do brincar amparado por um suporte epistêmico que se entrecruza com as Ciências da Comunicação, da Educação, destacadamente.
3-O TEMPO E A INFANCIA
Sobre o tempo, a ritualística humana se debruçou, e assim sendo estabeleceu o caráter das linguagens e de significante das relações sociais e políticas. Da ritualística dos deuses, a terra - agricultura, da troca até ao lazer, estaria estabelecido às relações com o caráter do jogo.(Huizinga:1980)
O jogo é a mediação significante de trocas determinando um tempo da linguagem e de seus sentidos e campos variados ou híbridos.
Sobre o mesmo tempo humano, derivaram-se os tempos da vida como o da infância, da adolescência e da maturidade, todos de caráter natural biológico, mas politicamente e socialmente conquistado historicamente e através das lutas políticas e da ciência, e nestes mesmos tempos estabeleceu-se o jogo na sua trama de troca de sentidos - pelas linguagens.
Na infância o tempo do jogo é de expansão singular, como nos ensinou, entre outros, Áries, do ponto de vista histórico, assim como a Filosofia, Pedagogia – Rousseau – Froebel, Pestalozzi;; a Psicologia na busca da particularidade infantil, Stanley Hall, Claparede, Piaget, Wallon e Vygotsky, Freud, Melanie Klein, para sermos sucintos.
O destaque do jogo na infância desemboca em muitos motivos, mas entre outros por ser o tempo da formação, do tempo da aprendizagem, de investimento da aprendizagem, de submissão ao tempo do adulto, sobre aspectos vários, dentre alguns o cognitivo, afetivo, das relações sócias, políticas e do econômico.
O jogo, do ponto de vista histórico, perpassa as fases de crescimento do sujeito no social, impregnando-se de características do social-politico e econômico presentes nas respectivas fases .
Em outro trabalho, aponto tais fases e aqui retomo para que mergulhemos neste aspecto a fim de adentramos as especulações pertinentes a este fato e que nos remete as variáveis que aqui nos propomos a refletir - o tempo – a infância - o jogo e as relações políticas.[1][1]
4- 0 AS RELAÇÕES NA INFANCIA – BRINCAR E O CARÁTER SOCIAL E POLITICO
Emergem assim no brinquedo, as relações políticas entre seus pares, de modo sutil em que não damos a perceber.
Se o jogo ou o brincar é troca de sentido, na ação interativa comunicacional, as condutas lúdicas ou a ação, ou seu objeto, são reprodutores das relações políticas e ideológicas ali conduzidas .
Florestan Fernandes, no final dos anos quarenta, num trabalho sobre folclore, o mundo infantil e os jogos, nos chama atenção para este foco das relações políticas presentes nas troçinhas de modo a sublinhar o caráter político das relações sociais no mundo lúdico. Destacando o sentido do grupo infantil como as regras em que ai se imbrica o caráter político das condutas.
Entendamos, pois, o político infantil como os comportamentos definidos socialmente e que na convivência estabelecem pactos, mediados por regras e que passam a definir condutas político-sociais do grupo designando o modus-ludicus de convivência.Tal modo de convivência estabelece relações de reflexões criticas desde o papel social de cada um dos pertencentes como as metas e os alvos permitindo emergir um pensamento crítico advindos dos componentes do mesmo.(Fernandes:1979)
Tal fato das regras é sublinhado por Piaget ao trabalhar com a questão da moral e a infância através da absorção da ordem moral e o brinquedo regrado. A moralidade exerce um papel de seqüestro da criação em parte para integrá-lo ao grupo politicamente e no sentido moral contextual.
Há uma preponderância do real – moral -do grupo - em condutas - regras propostas. .O foco da moral, neste caso, é o grupo em suas condutas e parcerias, relações sociais, e aprendizado de valores, processo educativo informal.
Se, como temos falado, o jogo – ou o brincar - é mediador do conhecimento, como nos afirmou ainda Piaget e Vygotsky, ele o é também de conduta política ideológica, e nesse sentido o que a educação toma a si tal foco?
Há um a preocupação escolar para as situações lúdicas, político - ideológicas?
No contexto do imaginário infanto-juvenil, nas histórias e brincadeiras, temos muitos casos que poderíamos sublinhar para uma breve reflexão.
Pensemos: o Saci Perêre é bem uma forma de ideologização-política do colonialismo português sobre a nossa cultura indígena e negra, em que na figura do saci temos um vilão do negro e do mulato brasileiro deficiente e sujeito a zombarias. Do mesmo modo algumas lendas ou brincadeiras como o da “barra manteiga na fuça da nega”.
Assim dentro do contexto do grupo, há a possibilidade do confronto e do argumento, ou mesmo dentro da escola, como tarefa pedagógica e da intervenção político ideológica. Todavia com o dispositivo televisivo como fica o grupo, o político interveniente dos pares - do grupo infantil?
5.0 O JOGO TELEVISIVO
A tecnologia da imagem pela televisão, adentrando ao mercado, à família, à casa, ao quarto, enfim ao lar, proporcionou a expansão do brincar e com isso estabeleceu uma parceria com a infância e juventude em que o tempo do grupo lúdico arrefeceu-se para uma situação de isolamento, de individualidade.Tal fato permitiu o aparecimento dos games - dos vídeos-games - e toda a sorte de maquinação .A recepção da imagem adentrou ao campo do jogo, do brincar, numa passividade ou interação reduzida ao mecanismo tecnológico, desde um zapear do controle remoto à companhia dos personagens e fatos do roteiro das histórias, ou mesmo das colagens imagéticas.
Para assim analisarmos esses jogos frutos da tecnologia da imagem, interessante é nos reportarmos a Caillois
Roger Caillois (1913-1978-França) ao estudar o jogo, no contexto da cultura, busca, numa perspectiva de um quadro teórico grego, cobrir o jogo numa previa classificação quádrupla – da alea, agôn, mimicry e ilinx.
Para ele:
.”No AGÔN - Há todo um grupo de jogos que aprece sob a forma de competição, ou seja de um combate e que a igualdade de oportunidades é criada artificialmente para que os adversários se defrontem em condições ideais susceptíveis de dar valor preciso e incontestável ao triunfo do vencedor........o interesse é para cada um dos concorrentes, o desejo de ver reconhecida a sua excelência num determinado domínio”.(Caillois:33-36:1990)
Já a ALEA
“Contrariamente ao agôn a alea nega o trabalho a paciência, a habilidade e a qualificação; elimina o valor profissional, a regularidade, o treino...Supõe da parte do jogador uma atitude exatamente oposta àquela de dá provas no agôn.” (Caillois:37:1990)
E adianta:
“O Agôn reivindica a responsabilidade individual, a alea a demissão da vontade” (Caillois:37:1990)
E concluindo:
“A civilização industrial deu origem a uma forma particular de ludus; o hobby, atividade, gratuita, levada a cabo por mero prazer: coleções artes decorativas, alegrias do trabalho amador ou de pequenos inventos, em suma, todo o tipo de ocupação que surja, primeiro que tudo, como compensatória da mutilação da personalidade resultante do trabalho em cadeia, de natureza automática e parcelar”. (Caillois:53:1990)
Distingue o autor essas formas - agon alea mimicry e ilinx , do ludus, que responde mais a criatividade e a uma atitude psíquica intelectiva intensa.
Assim a tv as imagens – do videogame e software seria sair do agôn para a alea ou numa forma composta e híbrida entre uma forma e outra implicando numa terceira forma que ele aponta como Hobby.
Destaque-se aqui o sentido político mais ausente na passividade das formas agonísticas e da alea, quando no lúdico tal ação estaria recheada, talvez comparada ao agôn, mas nunca a forma da alea ou do hobby.
O tempo do brincar, do jogo é roubado para a sua inserção de adestramento em que a imagem, do roteiro, se apresenta sem a liberdade característica do lúdico, na sua forma de livre expressão. A tv comercial, destacadamente, ou mesmo os vídeos game constituem as digressões políticas ideológicas de grupos da mídia para efeito de seduzir a criança para o consumo das signagens dos produtos midiáticos, garantindo audiências e manipulação de comportamentos para produtos que dali partem das grifes das modelagens televisiva, como álbuns de figurinhas, roupas, sacolas, mochilas, alimentos etc..O brincar televisivo é estratégico, na sociedade de consumo.
6. PARA ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DE FECHAMENTO
Na amostragem procedida entre jovens universitários (em número de 239) com questionários de 18 perguntas sobre televisão. Buscamos avaliar o tempo de consumo da mídia televisiva quantificadamente, e como ele é degustado qualitativamente. Além dos questionários, some-se a observação feita em sala de aula, tomando depoimentos dos jovens universitários.
O tempo de recepção televisiva no cotidiano (dos anos 80 entre 7 e 10 anos) se dá entre 5 a 6 horas, média geral. A maioria não nega o tempo ou não deixa em branco, todos depõem.-indagação presente na pesquisa-
A recepção é diária, e se dá no turno que antecede a escola ou após a chegada da mesma assim como a noite com os pais ou em separado.
A maioria, num quantum de 90%, não teve controle em casa sobre a tv.
Mas confessam que a tv era vista como premio ,pois castigava-se – impedindo de ver a mesma.
A escola é ausente em relação a comentários da mídia ou de interagir nos conteúdos de modo aglutinador.Os depoentes, alguns, minoria colocam que não lembram, outros em maioria negam a participação da escola na reflexão da mídia.
Os programas declarados como preferenciais se colocam como:
- por ordem-
-desenhos - seriados
- programas infanto-juvenis
-novelas.
Em contraposição à tv, a leitura é quase inexistente senão como tarefa escolar.
Os gibis, quando há leitura, se destacam, compradas pelos pais e produzido por Mauricio de Souza –Mônica - Cebolinha - seguido das produções de W. Disney.
Quanto à literatura especializada, as leituras se colocam como as de sala de aula e de tarefas de casa. Não há menções a obras compradas e/ou lidas.
A busca e atração pela imagem se dão por algumas variáveis:
1- brincadeira - o lúdico – o jogo
2-cores fortes – luminosidade berrante-
3-movimento –cortes vibrantes -rapidez
4-violência –morte- perseguição
5-humor – engraçado - gozado - descontraído
6-aventura - luta - perigo
No viés da violência e aproximação do real, a velocidade e verossimilhança são fatores decisivos para a recepção entre programas dos tipos série – desenhos, videoclipe, a quebra ou corte é constante para os desdobramentos das cenas, ou mesmo compondo as cenas.
A cor e o movimento são decisivos, inclusive sua qualidade técnica. A estética televisiva, para eles, relata o novo, e isso se expressa pelas modalizações cromáticas. Aliado a isto, se impregna o movimento que permite a mutação cromática e suas metamorfoses.
O humor assume destaque na inversão ou troca de papeis, as situações inusitadas, o cinismo, o cara de pau. Caso de figuração citada em Tom e Jerry, Pica Pau, Homem Aranha, As panteras, He- Man etc...
Diante deste quadro, já sucumbe o tempo do brincar que na colocação dos depoentes se mistura ao tempo televisivo, são raros aqueles que, em torno de 20 %, tiveram um tempo a parte, ao lado da tv, mas com a característica do brincar sozinho.
Do ponto de vista do grupo, este se esfacela, a escola ausenta-se da discussão bem como, a família e o caráter político ideológico imbricado na publicização do consumo da tv que assume patamares de preponderância .
O Brincar confundiu-se com o solilóquio passivo televisivo, com raras exceções com discussões na família e alguns colegas, com total ausência de grupos da escola. Na escola, o grupo é frágil, integrado pela convivência escolar, com raras exceções se adentrando a um circuito maior.
7- BIBIOGRAFIA
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Trad de J. G. Palha.Lisboa: Cotovia 1990.
FERNANDES, Florestan. Folclore e Mudança Social na cidade de São Paulo. Petrópolis-Rj: Vozes. 1979
HUIZINGA, Johann. Homo ludens. Trad. De J.F. monteiro.São Paulo: Perspectiva, 1980.
PACHECO, Elza Dias. Pica – pau, herói ou vilão?: Representação social da criança e reprodução da ideologia dominante. São Paulo: Loyola, 1985.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Trad. A. Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1984
PIAGET, Jean. O julgamento moral da criança. Trad. T. E. Lenardon. São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1987.
VASCONCELOS, Paulo A C (org). Comunicação e Imaginário na Cultura Infanto-Juvenil.São Paulo :Zouk, 2001
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