quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Vivemos o começo da civilização on-line’
Precursor da realidade virtual acredita que Second Life cria moralidade na web. Fenômeno está ligado ao aprimoramento dos avatares, ou personagens virtuais.
Juliana Carpanez Do G1, em São Paulo entre em contato
ALTERA OTAMANHO DA LETRA
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Jaron Lanier tem um avatar no Second Life, mas não passa tanto tempo on-line quanto gostaria
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O americano Jaron Lanier, 46 anos, é um dos precursores da realidade virtual, cientista da computação, escritor, professor visitante da Universidade da Califórnia, músico e conselheiro do Linden Labs, empresa responsável pelo programa on-line Second Life. Mas apesar dos muitos títulos que carrega, Lanier também faz o tipo desencanado e dispara um enfático “não faço idéia” quando perguntado como deve ser identificado na reportagem sobre as transformações causadas pelo Second Life. Esse aparente descompromisso em relação aos títulos é uma atitude momentânea, que dá lugar ao entusiasmo quando se fala em realidade virtual. No início dos anos 80, quando ninguém sonhava em criar avatares (personagens) para viver numa realidade paralela, ele fundou a VPL Research, “a primeira empresa a vender produtos para a realidade virtual”, segundo o próprio criador. As patentes de suas invenções -- relacionadas à simulação cirúrgica e a protótipos de interior de veículos, por exemplo -- foram adquiridas pela Sun Microsystems em 1999.

Bastidores da Redação: Realidade virtual: é pra lá que eu vou!
— Ligado ao Linden Labs, ele afirma que o Second Life passou a funcionar como uma ferramenta para reforçar a moralidade na internet. “As pessoas são melhores nesse programa do que em outras situações do mundo virtual. No Orkut, no MySpace, os usuários são muito maus, porque é fácil criar perfis falsos. Mas no Second Life o desenvolvimento do avatar requer esforços e, se você criar um personagem ruim, estará fazendo um mau investimento”, acredita o especialista. Lanier também admite não gostar do nome do programa que já reúne cerca de três milhões de usuários em todo o mundo. “Não se trata de qual vida você gasta mais tempo, mas sim quão significativo é o tempo que dedica a cada uma delas”, defende o americano que tem um avatar, mas não se dedica muito ao personagem que leva seu verdadeiro nome. “Acho que sou o único [no programa] a fazer isso”, brinca. A seguir, trechos da conversa por telefone que Lanier teve da Califórnia com o G1: G1 – O que o senhor esperava da realidade virtual quando começou a trabalhar nessa área? Jaron Lanier - Nossa, isso foi há muito tempo. Faz 25, 30 anos. É muito difícil lembrar porque eu era uma criança (risos). O foco estava voltado para a conexão entre pessoas, à criação de um novo tipo de comunicação, parecido com os sonhos, para que você pudesse dividir com as pessoas aquilo que acontece dentro de sua cabeça. A idéia sempre foi ambiciosa, de criar uma forma de comunicação parecida com os sonhos. G1 – E no Second Life isso acontece, de certa forma? Porque esse programa mostra exatamente o que o jogador quer. Ele vai além das brincadeiras de faz-de-conta, quando o outro tem de acreditar naquilo que é apenas falado. Recentemente, uma mulher deu à luz no Second Life e pudemos ver isso. Lanier – O Second Life é fantástico, mas é importante ter em mente que hoje ele representa apenas um pequeno passo em direção à realidade virtual, obviamente. Ainda estamos muito, muito no começo. Apesar disso, eu acho o programa maravilhoso e também muito importante. G1 – Tudo bem, é um pequeno passo, mas não é revolucionário? As pessoas estão falando muito sobre essa realidade paralela, há cerca de três milhões de pessoas cadastradas... É um primeiro passo, mas muito grande, não? Lanier – Sim, há muitas coisas sobre ele que são importantes. Pessoalmente, acho que ele tem algo muito especial, que é a possibilidade de o jogador criar o mundo virtual enquanto interage com ele. Antes do Second Life, outras pessoas tentaram fazer coisas parecidas, mas não se tornaram tão populares. Primeiro elas criavam o design, programavam e só depois o usuário entrava para jogar. G1 – Como o The Sims, por exemplo? Lanier - Isso, exatamente. O The Sims é muito popular, não estou fazendo uma crítica. Mas no Second Life a criação faz parte da experiência, não há separação entre criar e jogar. Isso é o mais inovador, essa é uma característica que faz a diferença. G1 – O senhor falou que o Second Life é um primeiro passo para a realidade virtual. E o que podemos esperar desse programa, onde ele vai chegar? Lanier - Pode ser muito cedo para fazer essa afirmação, mas vou arriscar... O que vejo é que as pessoas são melhores pessoas no Second Life do que em outras situações do mundo virtual. É verdade que às vezes encontramos pessoas ruins no Second Life, mas isso não é tão comum quanto em outras redes sociais da internet. G1 - E por que as pessoas seriam melhores no Second Life? Lanier - Bom, o Orkut que é muito popular no Brasil e o MySpace nos Estados Unidos. Com freqüência, as pessoas são muito más nesses sites, porque neles é fácil criar perfis falsos. Os usuários podem inventar sua identidade de maneira fácil, rápida, não precisam investir nisso. Agora estamos vendo uma evolução sobre como se tornar civilizado e ser uma boa pessoa on-line. Há outras coisas que eu gosto no Second Life, como criatividade, mas acho que o programa será lembrado principalmente por trazer mais moralidade à internet. G1 - Tudo isso porque é necessário investir no desenvolvimento do personagem? Lanier - Sim. Um personagem ruim representa um mau investimento. De alguma forma, estamos vendo o começo da civilização on-line. G1 - Então é possível começarmos a ver mudanças na internet causadas pelo Second Life? Lanier - Eu espero que sim (risos). Obviamente, eu gostaria que toda a internet se parecesse mais com o Second Life, digamos, em dez anos. O que eu gostaria de ver na internet é as pessoas investindo muito em como eles se apresentam, porque assim terão um motivo para seguirem as morais. Elas não vão querer perder esse investimento. G1 - Mas quando um internauta coloca um verbete na Wikipedia, ele está sendo bom, na maioria dos casos. Lanier - A Wikipedia é algo que realmente me interessa. Algo interessante sobre esse site é que existe uma verdadeira guerra de edição. As pessoas que colocam conteúdo lá são muito enfáticas e até brutais, de certa maneira, para que as informações fiquem do jeito que elas querem. Na verdade, o formato da Wikipedia encoraja personalidades ruins, eu diria. G1 – E isso não acontece com o Second Life? Lanier - O Second Life encoraja boas personalidades. Eu vi alguns exemplos de maldade no programa, mas isso é muito raro. Por outro lado, essa maldade é a coisa mais comum do mundo em blogs, na Wikipedia, no Orkut e no Myspace. Esses sites parecem mostrar o pior das pessoas, enquanto o Second Life mostra o melhor delas. G1 – Eu ainda considero surpreendente a idéia de uma pessoa ter uma vida paralela na realidade virtual. Como posso explicar o Second Life funciona para minha avó, alguém que não tem qualquer contato com a internet? Lanier – (risos) É eu sei, é um pouco difícil de explicar. Bem, eu não sei... quer dizer... você sabe... sua pergunta é importante, porque eu acho que uma das coisas negativas da tecnologia é o fato de ela criar uma distância maior entre as gerações. Eu gostaria que isso não fosse verdade. Mas, por outro lado, há muitas pessoas de idade no Second Life. G1 - É mesmo? Lanier – Sim. O problema é que é muito difícil conseguir informações precisas sobre os usuários, porque ninguém vai bater na porta deles para checar o que dizem. Mas sabemos que há muitas pessoas de idade usando o programa. Agora, se você me perguntar como pode explicar o Second Life para sua avó, acho que a resposta vai ser: mostre seu avatar para ela. G1 - Então não há como eu explicar esse tipo de jogo usando apenas palavras? Lanier – (risos) Acho que ia demorar muito... G1 – Mas mesmo para as pessoas familiarizadas com a tecnologia, não é algo muito louco? Por exemplo, o fato de uma pessoa tornar-se milionária em uma realidade paralela é surpreendente. Lanier - De alguma forma, o dinheiro sempre fez parte da realidade virtual. Há regras matemáticas que, infelizmente, ditam a distribuição do dinheiro. Essa distribuição nunca será fácil e sempre haverá pessoas que se tornam muito ricas. É difícil encontrar soluções para problemas como a desigualdade social e posso imaginar que, no futuro, mesmo no mundo virtual, haverá esse tipo de disparidade. G1 - É, nós já temos mendigos na Ilha Brasil, dentro do Second Life. Lanier - Pois é. Eu queria ter todas as respostas para você, mas claro que não tenho. Há pessoas ganhando dinheiro no programa e haverá muito mais disso: é uma parte do fenômeno. O que espero é que o Second Life incentive não só a criatividade, mas também a moralidade, como eu já disse. G1 – O senhor disse que, de alguma maneira, o dinheiro sempre foi parte do universo virtual. Mas não é mais seguro ter US$ 1 milhão em um banco do que em um programa que pode desaparecer, se seus servidores caírem? Lanier – Hoje, eu diria que isso é verdade. Isso porque o Second Life está ligado a uma empresa, enquanto a maioria dos bancos tem o apoio de governos. E, hoje, as empresas são temporárias, enquanto os países são permanentes. Em 50 anos, não saberemos se a Linden Labs, responsável pelo Second Life, vai continuar existindo. Mas temos certeza que o Brasil e os Estados Unidos continuarão lá. Eu não acho que isso vai acontecer amanhã, mas não ficaria surpreso se, em 20 anos, o Second Life estivesse ligado a um país. Isso é possível, mas claro que não é uma realidade hoje. G1 – Existe um movimento chamado Get a First Life (arranje uma primeira vida). Queria saber sua opinião sobre o assunto, já que realmente não conseguimos dar conta de nossa “primeira vida”, principalmente por uma questão de falta de tempo. Lanier – É um questionamento legítimo, porque não temos uma máquina do tempo que cria minutos. A decisão certa sobre essa questão não deve ser baseada em nenhum tipo de dogma sobre qual deve ser a atividade mais importante. Em vez disso, é importante olhar de maneira honesta para aquilo que é mais significativo em sua vida. Se alguém encontra no Second Life um significado verdadeiro, uma conexão real entre as pessoas e gosta da criatividade que o programa oferece, essa é uma ótima forma de usar a internet. De qualquer forma, eu nunca gostei do termo Second Life, porque não se trata de qual vida você gasta mais tempo, mas sim quão significativo é o tempo que dedica a cada uma delas. G1 – Então o senhor acha que a vida virtual pode ser mais importante que a real? Lanier - Para algumas pessoas, acho que pode ser. O Second Life está em uma fase muito inicial. Você vê tudo na tela, ele ainda é limitado. Algum dia você estará no Second Life e todo o seu corpo estará envolvido na experiência, o que será muito melhor. Além disso, os gráficos ainda são muito simples comparados com a realidade. Mas se você mora em uma grande cidade, como São Paulo ou Nova York, o programa não é necessariamente pior que a realidade (risos). Depende de quem você é. Eu acho legítimo que as pessoas tenham diferentes idéias sobre qual é a experiência mais significativa para eles. A pergunta a ser feita é: eles estão realmente interagindo com as pessoas de uma maneira verdadeira? G1 - Se a resposta for sim, o universo paralelo vale a pena? Lanier – Vale. Acho triste ver alguém jogando videogame sozinho por horas e horas, tentando se superar, porque sinto que essa pessoa não se conectou com outras. Isso é diferente no Second Life, porque o programa só faz sentido se houver outros usuários. Não haveria nada para fazer se você estivesse lá, sozinho. Eu entendo essas pessoas que se preocupam com a maneira como gastamos nosso tempo, mas eu diria que temos de pensar em nossos valores. Acho que criatividade e conexão são valores importantes. G1 - E o senhor está no Second Life, tem um avatar no programa? Lanier – Confesso que não jogo muito, porque estou ocupado com outras atividades. Apesar de gostar muito do programa, não estou lá com muita freqüência. É uma contradição, mas uma contradição causada pela condição humana. G1 - Então suas prioridades estão fora do Second Life? Lanier - Infelizmente, não dá pra fazer tudo. Há muitas atividades que gosto, que acho incríveis, mas não me envolvo com elas por diversos motivos (risos). Eu uso, sim, o Second Life e lá uso meu próprio nome, Jaron Lanier. Acho que sou o único por lá a fazer isso. G1 - O senhor é conselheiro de ciência do Linden Labs. Sobre o que exatamente aconselha a empresa? Lanier - Sobre qualquer coisa que eles ouvirem, mas acho que eles não me ouvem muito (risos).
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