O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas
Eduardo O C Chaves
I. Introdução
A chamada política de informática brasileira como muitos já assinalaram, tem contemplado até aqui quase que tão-somente os aspectos tecnológicos e industriais da informática. Para fazer jus a essa denominação, teria que abranger várias outras áreas, entre as quais certamente se encontra a educação. É notório que não basta decretar a reserva do mercado brasileiro para as indústrias nacionais para que aconteça o desenvolvimento de tecnologia própria. É necessário também, entre outras coisas, tomar medidas que preparem a sociedade, e em especial os jovens, para as transformações que estão acontecendo e as que vão ocorrer em decorrência da introdução maciça do computador na sociedade brasileira. E é aqui que a educação tem um papel a desempenhar. Uma política de informática real deve contemplar muito mais do que o simples fabricar de computadores: deve englobar as medidas necessárias para que a sociedade saiba fazer bom uso deles e esteja preparada para as transformações sociais e culturais que advirão de seu uso em larga escala.
Os órgãos até aqui responsáveis pela formulação e condução da política de informática brasileira, conquanto privilegiando, por uma série de compreensíveis razões, os aspectos tecnológicos e industriais, não descuidaram totalmente dos outros aspectos mencionados. Testemunham-no os projetos: Educação e Computadores (EDUCOM), Microcomputadores na Medicina (MICROMED), Agropecuária e Computadores (AGROCOM), e Microcomputadores na Pequena e Média Empresa (MICROPEME), que são dedicados a pesquisar o uso de microcomputadores em diferentes áreas da atividade. Foram concebidos e gerados pela Secretaria Especial de Informática (SEI), órgão criado, em 1979, junto ao Conselho de Segurança Nacional e hoje vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
Inicialmente, vamos analisar o desenvolvimento histórico do Projeto EDUCOM, o projeto brasileiro de informática na educação.
II. Um Breve Histórico
Em março de 1980, pouco meses após sua criação, a SEI instituiu a Comissão Especial de Educação, para discutir as várias questões relacionadas à informática e à educação – foi a primeira comissão especial da SEI! Tinha como objetivo primordial "assessorar o Ministério da Educação e Cultura (MEC) no estabelecimento de política e diretrizes para a educação na área de Informática, com vistas à formulação do planejamento educacional na área".
Entre outras coisas, essa comissão (formada por representantes da SEI, do MEC, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), da Sociedade de Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (SUCESU), etc.) recomendou que fosse estimulada a criação de programas especiais visando o uso de "ferramentas de informática" em áreas de conhecimento não necessariamente afins da informática. Está aí a recomendação que veio a gerar, no âmbito da SEI, a série de projetos enumerados anteriormente, entre os quais o EDUCOM.
Em junho de 1981, a Secretária de Ensino Superior (SESU) do MEC faz as primeiras consultas às universidades, procurando detectar as que já possuíam projetos voltados para a aplicação de informática na educação ou que demonstravam interesse pelo assunto. Na mesma época, a SEI envia um representante ao IV Congresso Mundial de Informática na Educação, realizado em Lausane, Suiça, e em missão prospectiva à França, buscando conhecer, junto ao governo e às indústrias francesas, o que se fazia nessa área.
1. O Primeiro Seminário de Informática na Educação
A essas medidas seguiu-se a realização, em agosto de 1981, do Primeiro Seminário Nacional de Informática na Educação, com patrocínio da SEI e apoio do MEC e do Conselho Nacional de Pesquisas Cientificas e Tecnológicas (CNPq), que teve lugar na Universidade de Brasília.
Para esse seminário foram convidados os pesquisadores das universidades brasileiras que haviam respondido afirmativamente à consulta da SESU, bem como dos especialistas estrangeiros, uma francesa e um argentino, para relatar as experiências em realização em seus países.
Além da SEI, do MEC e do CNPq, fizeram-se representar no Primeiro Seminário as seguintes instituições brasileiras: Secretaria do Planejamento da Presidência da República (SEPLAN); Ministério do Trabalho (MTb); Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), pertencente ao MEC; conselho Federal de Educação Brasileira para o Ensino de Ciências (FUNBEC); SOBRAPO; Secretaria da Educação do Acre; Fundação Carlos Chagas; Fundação José Carvalho. Participaram também representantes destas universidades: Universidade de Brasília (UnB); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Rio de Janeiro (UFRJ), de Minas Gerias (UFMG), de Uberlândia (UFUb) e da Paraíba (UFPB); Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA); pontificas universidades católicas do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e do Rio de Janeiro (PUC-RJ); Universidade Gama Filho; Fundação Educacional do Distrito Federal.
Muitas das considerações, sugestões e recomendações que resultaram do Primeiro Seminário são até hoje pertinentes. As mais relevantes são apresentadas a seguir:
Mesmo reconhecendo-se o quadro de graves desequilíbrios na oferta de oportunidades educacionais, enfatizou-se a necessidade de que a educação, em especial a dos níveis médio e superior, apresente melhor desempenho e qualidade, em face do avanço dos padrões tecnológicos e organizacionais do mundo do trabalho e das relações sociais. Embora não elimine, a curto ou médio prazo, aqueles desequilíbrios, o uso de computadores pode ajudar a melhorar o desempenho e a qualidade da educação oferecida.
Recomendou-se que o uso do computador na educação seja balizado por valores culturais, sociopolíticos e pedagógicos condizentes com a realidade brasileira, uma vez que o software educacional importado traz embutidos, muitas vezes de forma dissimulada, comprometimentos culturais, políticos e ideológicos que podem ser indesejáveis.
Avaliaram-se os riscos gerados por eventuais transferências de tecnologia nessa área e as dificuldades que os grupos nacionais teriam para competir com os estrangeiros, devido aos altos custos de desenvolvimento, manutenção e comercialização do material instrucional. Impões-se, por isso, a adoção de uma política de incentivos fiscais e financiamentos aos produtores nacionais de hardware e software voltados para a educação, bem como a criação de sistemas de financiamento aos usuários de produtos nacionais e de mecanismos de proteção para os investimentos realizados.
Recomendou-se a implantação de centros-piloto de informática na educação, de natureza interdisciplinar, junto a universidades com capacitação tecnológicas nas áreas de informática e educação. Abrangeriam, em princípio, tanto o ensino regular como o não-formal, em todas as suas variedades. Deveria merecer prioridade, porém o ensino regular de 1º. , 2º. , 3º. Graus, pois tais projetos teriam como objetivo pesquisar a utilização do computador na educação em colaboração direta com os órgãos que ministram esse ensino.
Sugeriu-se que esses projetos cobrissem as diferentes regiões do país e que neles se desse ênfase à preparação de recursos humanos, sem o que tanto o plano de implantação inicial como os desdobramentos posteriores correriam sérios riscos de malograr.
Quanto ao equacionamento dos aspectos técnico-econômicos de iniciativas desse gênero, indicaram-se como determinantes os benefícios socioeducacionais que tais projetos podem gerar, desde que os recursos a eles destinados mantenham equilíbrio com outro investimentos em educação. Recomendou-se, particularmente, que eventuais investimentos no uso do computador em educação não fossem feitos em detrimento da inversão de recursos para melhorar as condições de trabalho de docentes e discentes.
Ponderou-se, por fim, que a utilização de computadores na educação, embora se mostre vantajosa em campos específicos, não deve, de modo algum, ser saudada como uma panacéia, capaz de solucionar os problemas da educação básica e de suprir a insuficiência de recursos instrucionais ou de docentes.
2. O Segundo Seminário de Informática na Educação
Em agosto de 1982, realiza-se o Segundo Seminário Nacional de Informática na Educação, desta vez na Universidade Federal da Bahia (UFBA), novamente com o patrocínio da SEI e o apoio do MEC e do CNPq. Participaram desse seminário, além da SEI, do MEC e do CNPq, as seguintes instituições: CFE; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), pertencente ao MEC; Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ), também pertencente ao MEC; Museu Nacional; Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL); Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF), do Ministério da Fazenda; FUNBEC; CENTEC (Bahia); Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); Fundação José Carvalho; e ainda as seguintes universidades: UFBA; USP; UNICAMP; UFRGS; UFRJ; UFMG; Universidade Federal do Maranhão (UFMA); PUC-RJ; e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Os participantes foram divididos em quatro grupos, segundo áreas de interesse, as quais abrangiam os aspectos socioeducacionais, pedagógico-educacionais, psicológico-educacionais e os relacionados à informática.
O grupo interessado nos aspectos socioeducacionais endossou a recomendação do Primeiro Seminário que propunha a implantação dos centros-piloto de informática na educação, vinculando a centros universitários continuamente o impacto dessa experiência na comunidade educacional, tanto no sentido estrito como no sentido mais amplo da expressão.
O segundo grupo, que discutiu os aspectos pedagógico-educacionais da questão, reconheceu como definitiva a decisão de se criarem os centros-piloto e passou a sugerir diretrizes gerias para seu funcionamento. Esse grupo rejeitou a utilização do computador na educação apenas como meio de automatizar o fornecimento e o repasse de informações; seu parecer insistiu em que o computador deveria ser utilizado prioritariamente para auxiliar o desenvolvimento da inteligência do aluno, possibilitando-lhe dominar as habilidades intelectuais específicas requeridas em cada área de conteúdo. Ressaltou também que o computador no processo educacional deve ser encarado como um recurso tecnológico auxiliar, e não como um fim em si mesmo; deve submeter-se aos objetivos e às finalidades da educação, e não ditá-los.
No que se refere às questões psicológico-educacionais, tratou-se de refletir clara e objetivamente sobre duas questões: A introdução do computador na escola pode contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem? Em caso afirmativo, de que forma? Mais especificamente, esse grupo de trabalho formulou as seguintes perguntas:
Quais os aspectos do desenvolvimento cognitivo do aluno que podem ser favorecidos?
O computador possibilita maior domínio de conceitos, generalizações, princípios, procedimentos ou habilidades?
Em que áreas curriculares e em que níveis o computador atuará com maior dificuldade?
Que conseqüências o uso do computador na educação gerar? Serão elas desejáveis ou indesejáveis?
Como essas indagações não comportavam respostas inequívocas, o grupo recomendou que todas as possibilidades de uso do computador na educação fossem exploradas, sem imposição de limitações a priori, mas que esse uso fosse sempre subordinado aos propósitos da educação.
O grupo que discutiu os aspectos da questão relacionados à informática recomendou que as experiências-piloto fossem realizadas sempre com equipamentos, tecnologia e recursos humanos nacionais, não devendo, em nenhuma hipótese, deixar-se curvar por pressões de qualquer tipo ou por conveniências de mercado. Este grupo recomendou ainda que as experiências fossem realizadas com equipamentos próprios, cujo uso não fosse partilhado com outras atividades e serviços e não dependesse da eventual boa vontade de quem gerencia os recursos computacionais.
É interessante observar que as conclusões do Segundo Seminário coincidiram com as do Primeiro Seminário – ambos tiveram em comum a defesa dos valores culturais brasileiros, a ênfase nas questões da formação de recursos humanos e da implantação de projetos-piloto com perfis multidisciplinares, bem como a recomendação de que estes últimos se subordinassem aos propósitos educacionais.
3. A Criação do EDUCOM
Ao final de 1982, o MEC traçou diretrizes para o estabelecimento da política de informática no setor da educação, cultura e desportos. A quarta diretriz estipula: "Desenvolvimento e utilização da tecnologia da Informática na Educação, respeitando os valores culturais e socio-políticos sobre os quais se assentam os objetivos do sistema educacional, estabelecendo que os programas computacionais destinados ao ensino sejam desenvolvidos por equipes brasileiras".
Em janeiro de 1983, o secretário de Informática baixou a portaria nº. 1/83, criando a Comissão Especial nº. 11/83 – Informática na Educação. Dentre os considerados que levaram à criação dessa comissão, destaca-se o seguinte:
"Considerando a necessidade do desenvolvimento, no Pais, de tecnologia para o uso do computador como instrumento auxiliar do processo de ensino-aprendizagem, orientando para valores culturais, sociopolíticos e pedagógicos da realidade nacional..."
Eram as seguintes as atribuições dessa comissão:
"Propor a orientação básica da política de utilização das tecnologias de Informática no processo de ensino-aprendizagem, observados os objetivos e diretrizes da Política Nacional de Informática, do Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto e do Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico;
apoiar e acompanhar a implantação de Centros-piloto que, mediante o desenvolvimento de pesquisa multidisciplinar, promoverão atividades voltadas para a aplicação das tecnologias da Informática na Educação;
recomendar a adoção de características técnicas padronizadas para as máquinas automáticas de tratamento da informação e periféricos, bem como para os programas de computador básicos e de suporte, adequados para fins educacionais;
coordenar a alocação, no campo da Informática na Educação, de recursos governamentais de qualquer natureza e acompanhar a aplicação dos mesmo."
Originalmente, a Comissão Especial nº. 11/83 tinha como membros: secretário de Informática (presidente); presidente do CNPq; presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); titular da SESU; titular da Secretaria de Ensino de Primeiro e Segundo Graus (SEPS) do MEC; diretor de coordenação do CNPq; diretor geral da CAPES. Em fevereiro de 1984, esse quadro foi ampliado, passando a incluir o presidente da FUNTEVÊ e um conselheiro do CFE, aos quais se juntaram, em agosto de 1984, o secretário de Cultura do MEC e do vice-presidente da EMBRATEL.
Com base, em parte, nas recomendações dessa comissão, a SEI publicou, em agosto de 1983, um comunicado convocando as instituições de ensino superior brasileiras a apresentar, até 31/10/83, projetos para a implantação de centros-piloto em universidades brasileiras que se dispusessem a investigar a utilização do computador como instrumento auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, em especial no 2º. Grau.
Apresentaram projetos 26 instituições. Para analisá-los tecnicamente, criou-se o Comitê Assessor da Comissão Especial de Informática na Educação.
Em dezembro de 1983, o Comitê Assessor recomendou a aprovação dos projetos da UFRGS, UFRJ, UFMG, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e UNICAMP – quatro universidades federais e uma estadual. O Comitê Assessor, embora reconhecendo que os demais projetos não estavam no mesmo nível dos cinco selecionados, recomendou ainda algum apoio aos projetos da PUC-SP e da Universidade Federal do Paraná (UFPA). A proposta do Comitê Assessor, no que tange aos cinco centros escolhidos em fevereiro de 1984 – mas a decisão somente foi publicada em julho de 1984.
Atribuiu-se ao MEC a responsabilidade da coordenação do projeto global. Dentre os diversos órgãos do MEC, a incumbência de operacionalizar essa coordenação coube à FUNTEVÊ, que para isso criou, em abril de 1984, o Centro de Informática Educativa (CENIFOR), ao qual o projeto EDUCOM ficaria vinculado.
Em 3/7/84 foi assinado um protocolo de intenções entre a SEI, o MEC, a FUNTEVÊ, a FINEP e o CNPq, através do qual os signatários acordaram, "entre si, em apoiar financeiramente a implantação de Centros-Piloto, em Universidades Brasileiras, voltados para aplicação das tecnologias de Informática no processo de ensino e aprendizagem" (Cláusula Primeira), comprometendo-se "a aplicar recursos necessários para a execução dos projetos experimentais aprovados pela Comissão Especial nº. 11/83, da SEI, na medida de suas disponibilidades orçamentárias" (Cláusula Segunda). Pela Cláusula Terceira, atribuiu-se à FUNTEVÊ, através do CENIFOR, a tarefa de coordenar e supervisionar tecnicamente o projeto. A Cláusula Quarta especificava que a operacionalização do protocolo se daria através de convênios entre os agentes financiadores e as universidades.
Atribuir a coordenação do projeto ao CENIFOR da FUNTEVÊ não foi, portanto, resultado de uma decisão meramente interna do MEC. Resultou de uma decisão que envolveu a SEI, a FINEP e o CNPq, que são, todos os três, órgãos vinculados a outro ministério.
Em decorrência desse protocolo, foram assinados convênios entre a FINEP e algumas das universidades, e entre a FUNTEVÊ (assistida pelo secretário geral do MEC e pelo secretário especial de Informática) e quatro das cincos universidades (o financiamento do projeto da UFRGS ficou exclusivamente a cargo da FINEP). Além disso, o CNPq comprometeu-se a alocar um certo número de bolsas de estudo aos pesquisadores envolvidos nos projetos.
4. Algumas Linhas do EDUCOM
Os convênios celebrados, que se destinavam a conceder verbas para o primeiro ano de funcionamento do EDUCOM, foram honrados, embora com considerável atraso, pelos órgãos governamentais. O maior problema residiu no fato de que os valores constantes nos convênios foram fixados na época da elaboração dos projetos, ou seja, no período de agosto a outubro de 1983, não tendo sido reajustados. Não é difícil imaginar a desvalorização sofrida por esses recursos, num período em que a inflação esteve sempre na casa dos 250% ao ano. O atraso no pagamento de valores estipulados em convênio só veio agravar uma situação já crítica.
Acrescente-se que alguns dos projetos foram previstos para dois e outros para três anos. Com os atrasos na liberação dos recursos, o início da execução do projeto ocorreu em 1985 – estava previsto para 1984. No segundo semestre de 1985, foi negociada com o CENIFOR a programação orçamentária do Projeto EDUCOM para o exercício de 1986. Os coordenadores dos cinco projetos optaram por negociar apenas com uma agência governamental, e não com três ou quatro, como acontecera no passado, cabendo ao CENIFOR a tarefa de buscar os recursos, onde quer que eles estivessem.
Não se trata, aqui, de oferecer um resumo das atividades dos cinco centros-piloto escolhidos, muito menos de avaliá-las, mesmo porque isso foi feito numa publicação do CENIFOR. Basta dizer que, embora esses projetos tenham perfis próprios e se diferenciem um do outro em aspectos importantes, as universidades que tiveram seus projetos aprovados pela Comissão Especial de Informática na Educação se comprometeram a fazer um trabalho sério, de pesquisa, envolvendo pessoal da área de Informática, de Educação, de Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento, de Sociologia Educacional, etc. Comprometeram-se ainda a não perder de vista os valores culturais brasileiros na tarefa de desenvolvimento de software educacional – uma área em que, como destacaram os participantes do Primeiro Seminário, a doutrinação cultural e a infiltração de valores não-condizentes com nossa realidade podem facilmente acontecer. Ou seja, os projetos, apesar dos contornos próprios de cada um, procuraram adequar-se os princípios orientadores recomendados nos dois seminários nacionais de informática na educação.
A menos que haja um apoio decidido e contínuo a esses projetos, corre-se o risco, agora – particularmente através de algumas iniciativas que à comunidade educacional parecem açodadas – de perder de vista a preocupação com a pesquisa interdisciplinar e com os valores nacionais, à medida em que, aparentemente, considera-se a possibilidade de divulgar software educacional em larga escala.
Na área de hardware, não há tanto problema em copiar ou adaptar produções estrangeiras. Na área de software básico e de aplicativos voltados para uso comercial, já não se pode manter essa despreocupação. Mas adotar o mesmo procedimento na área de software educacional significa permitir que valores e tradições culturais, e até ideológicos, de procedência estrangeira se infiltrem em nossas escolas e moldem as mentes de nossas crianças. Isto já está acontecendo em nossas escolas particulares, possuidoras de grande visão empresarial, porém mais preocupadas com sua imagem perante o público incauto do que com a pesquisa do assunto e a preservação de nossos valores culturais e de nossa identidade nacional.
Deve-se observar que o EDUCOM é um projeto de pesquisa voltado prioritariamente para a escola de 2º. Grau, que não deve ser confundido com o problema paralelo da informatização das universidades brasileiras. Essa informatização é necessária, mas envolve as atividades de ensino, de pesquisa, de administração, etc. O projeto EDUCOM, por sua vez, está interessado no desenvolvimento de novas metodologias de ensino, na promoção de uma aprendizagem mais ativa e significativa, numa educação básica de melhor qualidade. As duas questões não se excluem, mas não devem ser confundidas.
É importante notar que em alguns dos projetos-piloto há envolvimento direto das secretarias estaduais de Educação, como é o caso do projeto da UNICAMP, desenvolvido, através de convênio com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em três escolas da rede estadual na região de Campinas. Além disso, a Secretaria de Educação de São Paulo criou, no início de 1985, um grupo de trabalho para assessorá-la na área de informática na educação. Participaram desse grupo desde representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Computadores (ABICOMP) e da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) até representantes de universidades estaduais e de escolas particulares, para não mencionar órgãos relacionados com a própria secretaria, como a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e a Fundação para o Livro Escolar (FLE). Em decorrência das recomendações desse grupo de trabalho, a Secretaria de Educação criou, dentro da FLE, o Laboratório de Informática Educacional (LIE), que vem promovendo experiências e treinamento de professores na rede estadual de ensino.
5. Informática, Escola e Sociedade
Em relatório elaborado para o Ministério da Educação e Ciência da Holanda, Ladislav Cerych analisou as experiências de informática na educação em vários países, entre os quais Alemanha, Dinamarca, Escócia, País de Gales, Inglaterra, França e Estados Unidos. A primeira questão por ele levantada é a seguinte: "Deve existir uma política nacional de informática na educação? Quem deve ser o seu agente? " Observa-se ele que, "dentre os países analisados, apenas a França apresenta uma política central de informática e educação, devido, é claro, à centralização do seu sistema educacional e à descentralização dos sistemas dos demais países ". Cerych não incluiu em sua análise o Japão, que talvez pudesse, de certa maneira, fazer companhia à França.
Em seu relatório, Cerych observa algo importante, que nos leva a uma das questões centrais da discussão acerca da informática aplicada à educação. Diz ele:
"Talvez o impacto da informática na educação formal não seja tão grande quanto o desejado por uns e temido por outros, pois as escolas e a educação em geral são particularmente resistentes à introdução de novas tecnologias educacionais. Porém, assim como ocorre com a televisão, a informática influenciará a educação mais pelo modo como os computadores serão utilizados fora da sala de aula (como, por exemplo, nas residências) do que pela maneira como serão utilizados na escola. A questão, portanto, é saber se o sistema educacional irá, do mesmo modo como fez com os televisores, desprezar a difusão dos computadores e todas as suas conseqüências, isto é, se o sistema educacional irá permitir que o conhecimento e as atitudes das crianças sejam mais influenciados pelo que aprendem fora da escola (hoje pelos televisores, amanhã pelos computadores residenciais) do que pelo que aprendem na escola propriamente dita".
Ou seja, mesmo nos países que optaram por uma política nacional de informática na educação, voltada para as escolas, os efeitos dessa política poderão não ser benéficos como pretendem seus defensores, pois as crianças tenderão a ser mais influenciadas pelo que aprendem fora da escola, em decorrência especialmente do fato de que, com resistentes à introdução de novas tecnologias no processo educacional.
Diante desse fato, é necessário observar que, mesmo em países com tradição centralizadora e estatista, como o Brasil, projetos ou políticas nacionais de informática na educação não surtirão os efeitos desejados se não contarem com o apoio dos vários agentes da área educacional, como o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais, os professores e suas organizações profissionais, os alunos e seus pais, e os vários grupos de pressão interessados na educação, desde grupos religiosos até grupos políticos.
É em função desse problema que partimos agora para discutir alguns dos principais tipos de crítica apresentados, no Brasil, a projetos de introdução do computador na educação, em especial quando de iniciativa do governo e voltados para as escolas públicas, como é o caso do Projeto EDUCOM.
II. As Principais Críticas
Muito se tem dito – a favor e contra – sobre a utilização de computadores na educação. Infelizmente, grande parte das informações, de ambos os lados, reflete com freqüência certo desconhecimento de causa – às vezes, até acentuada desinformação. Tanto no campo da defesa como no da crítica, há pessoas que, dominadas pelo fervor do entusiasmo ou do repúdio, não se informaram antes de se posicionarem. No meu entender, mais importante do que tomar partido é compreender efetivamente do que se trata.
Sou favorável a quase todas as formas de utilização de computadores na educação. Mas nem toda forma de utilização presta-se igualmente bem a todos os objetivos educacionais. Algumas são mais adequadas para atingir certos objetivos, outras cumprem melhor finalidades pedagógicas diferentes. Ao final, porém, quase todas podem trazer resultados pedagogicamente benéficos.
Meu objetivo neste momento é tentar esclarecer um série de questões que não têm sido muito bem compreendidas pelos críticos e, às vezes, nem pelos defensores da utilização do computador na educação. Move-me a esperança de que, com esses esclarecimentos, a discussão possa desenvolver-se de maneira um pouco mais competente, de ambos os lados. Advirto que minha análise, embora aspire à objetividade, não tem a menor pretensão de manter-se neutra.
Começo transcrevendo duas breves passagens de artigos sobre o assunto. Afirma John Harriott:
"Há uma possibilidade bastante acentuada de que antes do final deste século os estudantes venham a receber toda a sua instrução através de computadores, sem, absolutamente, nenhum contato com professores vivos." (Creative Computing, Abr. 1982, p. 80)
Harriott não está só. Clive Sinclair, o gênio dos microcomputadores Sinclair e Spectrum (os nossos TK-85 e TK-90X), vai mais longe:
"Chegará o dia em que computadores ensinarão melhor do que seres humanos, porque computadores podem ser bem mais pacientes do que seres humanos e bastante ajustados às diferenças individuais. O computador substituirá não só a Encyclopaedia Britannica, mas também a escola." (Computing Today, Jan. 1983, p.29)
Com semelhantes afirmações, esses defensores da introdução do computador na escola ou mesmo da substituição da escola pelo computador atrapalham a causa daqueles que preocupados com a eficácia do ensino ministrado em nossas escolas e com as qualidades da aprendizagem de nossos alunos, investigam a melhor maneira de fazer com que o computador contribua para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem.
Mas deixemos de lado os defensores do uso do computador na educação e passemos a analisar os críticos. As críticas sérias que normalmente se fazem a qualquer projeto desse tipo podem ser divididas em três grupos principais:
Críticas com relação à oportunidade – Admitem que o computador possa Ter efeitos bastante positivos sobre o processo educacional, mas julgam que não deve ser prioritária sua introdução na educação neste momento, num país nas condições em que o Brasil se encontra.
Críticas com relação ao potencial – Negam que o computador possa vir a exercer grande efeito sobre a educação e entendem, por isso, que a importância da questão tem sido superestimada, tanto pelos defensores como pelos críticos do uso educacional do computador.
Críticas com relação à ação educacional – Neste caso, acredita-se que o computador poderá, realmente, Ter um efeito muito poderoso sobre a educação, mas teme-se que tal efeito seja indesejável e, quem sabe, até mesmo desastroso.
Vamos discutir detalhadamente cada um desses três tipos de críticas para que possamos situar num quadro referencial mais claro a questão que estamos examinando.
1. Críticas com Relação à Oportunidade
Encaro com bastante simpatia algumas das considerações daqueles que questionam a propriedade da introdução do computador nas escolas brasileiras agora. Minha simpatia se deve ao fato de que, conhecendo de perto as mazelas de que é vitima a nossa educação, não posso ignorar que a maioria das escolas brasileiras não dispõem de instalações adequadas, não têm recursos para material de consumo e para o mais elementar material didático, etc. etc. Assim sendo, posso compreender o sentimento do mal pago e sobrecarregado professor, que, não tendo condições materiais mínimas para o essencial de seu trabalho pedagógico, reage negativamente quando vê, de repente, a ameaça – é assim que ele sente – de que, em primeiro lugar, os minguados recursos destinados à educação sejam desviados para a aquisição e a manutenção de caros equipamentos, e, sem segundo lugar, ele tenha que investir um pouco de seu já escasso tempo em aprender a lidar com o computador!
Mas a crítica, freqüentemente, vai muito além de um mero sentimento de frustração e torna-se um questionamento das prioridades da política social e educacional brasileira. Que há muito a questionar e criticar nessa política, ninguém duvida. Vou me concentrar, porém, na tese daqueles que afirmam haver um série de necessidades básicas que precisam primeiro ser atendidas – infra-estrutura adequada para as escolas, condições mínimas de saúde, alimentação, habitação, saneamento, etc. para os alunos, melhores salários para os professores – e que, antes disso, não seria oportuno cogitar seriamente da introdução de computadores nas escolas.
Nem mesmo o mais ardoso defensor da utilização de computadores na educação discorda de que os elementos apontados por aqueles críticos são de fato prioritários. Ele provavelmente discordará, porém, de que sejam as únicas prioridades. O que ele afirma é que preparar nossos alunos adequadamente para viver e atuar profissionalmente no século XXI também é prioritário. Os alunos que ingressam na escola hoje, sairão da universidade, se não perderem nenhum ato, às vésperas do ano 2000. Será lícito deixá-los atravessar sua escolarização sem Ter nenhum contato com o ingrediente fundamental da sociedade informatizada e com aquele que será, não só no século XXI (pois agora já o é), o equipamento principal em qualquer área de atuação profissional? Muitos já disseram, e os fatos confirmam, que daqui a alguns anos, talvez bem antes do século XXI, quem não souber lidar com o computador equivalerá ao analfabeto de hoje. Vamos nós permitir que a escola forme os analfabetos funcionais do século XXI? Apresentar o computador à criança, desmistificá-lo, mostrar-lhe o seu potencial e as suas limitações, ensiná-la a utilizá-lo e a dominá-lo, são funções a que nenhuma escola pode atualmente se furtar. Amanhã será muito tarde.
Afirmam, portanto, os defensores da educação informatizada: além de reivindicar recursos para mais escolas, maior número de professores, melhores condições de trabalho para os professores e de vida e estudo para os alunos, temos de reivindicar, concomitantemente, recursos que nos permitam oferecer uma educação relevante para as condições em que nossos alunos irão viver e trabalhar. Tudo isso é prioritário. Não podemos abrir mão de nenhuma dessas reivindicações. Que políticos e burocratas restrinjam os recursos para a educação, é, embora lamentável, compreensível. Porém que educadores limitem, eles próprios, as suas reivindicações a favor da educação, já é bem mais difícil de compreender.
Vimos, na primeira parte deste trabalho, que os participantes do Primeiro Seminário Nacional de Informática na Educação, realisticamente conscientes dos riscos, mas também cientes da necessidade da introdução do computador no processo educacional, reivindicaram, em virtude dos benefícios socioeducacionais que daí poderiam resultar, recursos para um projeto incumbido de promovê-la, mas observaram que esses recursos deveriam estar em equilíbrio com outros investimentos em educação. Ressaltaram, particularmente, que os investimentos direcionados para o uso do computador na educação não deveriam ser feitos em detrimento da inversão de recursos para atendimento às necessidades fundamentais das escolas e às condições básicas de trabalho de docentes e discentes. Os dois tipos de necessidade deveriam ser contemplados.
É aqui que se deve ressaltar o fato inegável de que, no nosso país, já não se trata mais de optar entre a introdução e a não-introdução do computador nas escolas. Isso já está decidido – e não pela SEI ou pelo MEC, mas por um processo histórico irreversível, inclusive no Brasil. A questão que resta discutir é quem a conduzirá e como ela se fará. Se os educadores não se envolverem com essa introdução, para de certa maneira controlá-la, outros o farão, e os educadores, mais uma vez, ficarão na posição de meros observadores de um processo que, exercendo-se sobre a educação, será conduzido não por quem dela participa, mas sim por quem tem iniciativa.
Tentar impedir que se desenvolva o uso educacional de computadores sob a alegação de que há várias outras coisas que são mais prioritárias e que deveriam ser atendidas antes, é assumir a atitude passiva daqueles que, não podendo fazer tudo o que querem, resolveram nada fazer.
Alguém pode, porém, questionar a equivalência de prioridades que mencionamos antes: o computador na sala de aula é tão prioritário quanto a merenda escolar ou quanto a saúde das crianças (para tomar apenas dois exemplos freqüentemente citados)? Estabelecer uma escala de prioridades é algo complicado, em que todos corremos o risco de procurar impor nossas preferências pessoais. Ao refletir sobre essa questão, entretanto, não podemos perder de vista fatos importantes, alguns dos quais já mencionados:
O processo de informatização da sociedade, que já atinge o Brasil, caminha com espantosa rapidez e parece irreversível. Temos a responsabilidade de oferecer a melhor preparação possível aos nossos alunos, inclusive aos da rede pública, para que eles possam viver e atuar numa sociedade informatizada.
Numa sociedade altamente informatizada, como a nossa em parte já o é, o conhecimento – por contato e experiências – do computador será um componente essencial da formação geral e até profissional de cada indivíduo. Não há como pretender que a educação, que se ocupa da formação geral e profissionalizante dos alunos, possa ficar alheia a esse fato, mesmo dentro do quadro de carências que assola a educação no Brasil.
Por isso, muitas escolas particulares estão introduzindo ativa e decididamente o computador no processo de ensino e aprendizagem. O governo, a despeito da gravidade dos problemas que afetam a escola pública, não pode ignorar esse fato, permitindo que a educação oferecida pela rede oficial se distancie ainda mais do ensino ministrado pela rede particular. Mesmo subordinado a outras prioridades a alocação dos recursos materiais e humanos disponíveis, o Ministério da Educação e as secretarias estaduais não podem alhear-se da questão do impacto da informática sobre a sociedade e sobre a educação – particularmente sobre a distância que separa a escola pública da particular – , sob plena de prejudicar seriamente o desenvolvimento futuro da rede oficial de ensino no Brasil.
Se desejarmos realmente diminuir o desnível existente entre o ensino público e o privado, devemos defender iniciativas que visam introduzir, na rede pública, algumas das inovações que a escola particular, atenta às tendências atuais, já está adotando.
É nesse contexto que se deve considerar uma questão freqüentemente formulada: a utilização do computador nas escolas ajudará a aumentar ou a diminuir a distância entre as classes sociais? A resposta sensata deve realçar o fato de que tal utilização pode atuar em ambos os sentidos – tudo depende da maneira como for feita. Se o problema deixado à iniciativa das escolas, sem a intervenção do poder público, somente aquelas que já atendem as camadas mais altas da população é que se envolverão – e já o estão fazendo – com o uso educacional do computador. As escolas mais pobres, entre as quais se encontram, sem exceção, as públicas, ficarão a ver navios. Cumpre, a meu ver, encontrar maneiras de estender o privilégio ao maior número possível de escolas, e, consequentemente, de alunos.
Por outro lado, é sempre bom lembrar que, em face do peso (pelo menos quantitativo) do ensino oficial do 1º e 2º graus na educação brasileira, o poder público tem significativa parcela de responsabilidade na tarefa de criar condições que contribuam para a autonomia cultural e tecnológica da nação, diminuindo a distância que nos separa dos países mais desenvolvidos.
Assim sendo, não podemos perder de vista o fato de que a escola (inclusive a pública) tem de preparar cidadãos suficientemente familiarizados com os desenvolvimentos tecnológicos básicos, de modo a poderem participar do processo de geração e incorporação de tecnologia de que o país precisa para sair do estágio de subdesenvolvimento econômico de dependência cultural e tecnológica em que se encontra. E a informática está no centro de toda essa tecnologia. Quanto mais cedo os alunos se familiarizarem com ela, melhor será para o êxito daquele processo. Sem que tenhamos pessoas, em número suficiente, preparadas para entender, utilizar e dominar tal tecnologia, não poderemos esperar que o Brasil venha a participar em condições mais favoráveis no quadro da economia mundial em que está incluído, quer queira, quer não.
Se não fizermos um esforço maciço e concentrado para nos capacitarmos em informática, não resta a menor dúvida de que a distância entre os países desenvolvidos e o nosso aumentará cada vez mais. Só isso, a meu ver, já justificaria o investimento nessa área, bem como projetos do porte do EDUCOM e do LIE.
Por fim, o problema mais importante. Devemos nos preocupar com a questão da informática na educação porque as evidências disponíveis, embora não tão amplas e contundentes quanto se poderia desejar, demonstram que o contato regrado e orientado da criança com o computador em uma situação de ensino-aprendizagem contribui positivamente para a aceleração de seu desenvolvimento cognitivo e intelectual, em especial no que diz respeito ao raciocínio lógico e formal, à capacidade de pensar com rigor e de modo sistemático, à habilidade inventar e encontrar soluções para problemas. Não se nega aqui que esses efeitos possam ser conseguidos através de outros meios; mas também não há como negar que o uso do computador, hoje, faz-se acompanhar de variáveis importantes para o processo de ensino-aprendizagem, geralmente inexistentes nos meios mais convencionais: o computador, por exemplo, introduz um elemento motivacional indiscutível e muito positivo, tanto para os alunos como para os professores. Nem mesmo os maiores críticos do uso do computador na educação ousam negar esse fato.
Essa constatação nos encaminha para os outros dois tipos de crítica mencionados anteriormente: uma nega que o computador na educação possa Ter efeitos significativos sobre o processo pedagógico; outra prevê para tal uso um impacto educacional poderoso, mas não inteiramente favorável e desejável.
2. Críticas com Relação ao Potencial
Os defensores desse ponto de vista alegam que a utilização de computadores na educação poderá tornar alguns de seus aspectos um pouco mais eficientes, outros, talvez, mais atraentes, mas não afetará drasticamente a maneira de aprender e pensar dos alunos, a ponto de justificar o investimento. No tocante a essa questão, concordo inteiramente com Seymour Papert quando ele afirma (em seu famoso livro Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas) que tais críticos, de um lado, subestimam o potencial do computador, e, de outro lado, concebem a educação de maneira muito estreita. Ao invés de considerarem os efeitos culturais mais amplos que o contato com o computador pode produzir, eles entendem o potencial do computador como sendo somente o de uma máquina de ensinar, que apenas repassa informações, transmite conhecimentos. Se o potencial educacional do computador consistisse apenas em repassar informações aos alunos e depois testá-los para ver se as assimilaram, então, por melhores que fossem seus recursos gráficos e por mais atraente que pudesse parecer aos alunos, sua introdução na educação, em um país de condições socioeconômicas como as nossas, talvez não se justificasse. Tudo isso pode ser feito, talvez com um pouco menos de eficiência, talvez de maneira não tão atraente, com os recursos pedagógicos tradicionais, muito menos onerosos.
Quanto à concepção estreita da educação, consiste em considerá-la como algo que acontece quase predominantemente através da instrução ou do ensino formal e deliberado. Dessa forma, se o uso do computador não altera drasticamente a maneira de ensinar, não poderá Ter muito efeito sobre a educação. Não percebem esses críticos, porém, que grande parte da aprendizagem, inclusive da aprendizagem que ocorre na escola, não é decorrência de um processo de instrução ou de ensino deliberado. O desenvolvimento intelectual (e também o desenvolvimento social e moral) da criança ocorre através de uma série de interações com o meio em que está inserida. O ensino formal e deliberado é apenas uma dessas formas de interação. Se o meio é rico e variado nos estímulos e recursos que fornece a criança, tanto mais rico, diversificado e acelerado será o seu desenvolvimento. Se esse meio lhe fornece os estímulos, as oportunidades e os recursos para desenvolver sua criatividade e inventividade, para explorar e descobrir, a criança certamente desenvolverá características intelectuais e formas de raciocínio que favorecerão o pensamento criativo, exploratório, inventivo. Se, além desses estímulos, o meio também lhe fornece oportunidades de pensar com rigor, provavelmente testando conjeturas e idéias inventadas ou descobertas, para ver se são adequadas, o seu desenvolvimento intelectual privilegiará, além dos elementos associados à criatividade, aqueles vinculados ao rigor.
Tal concepção estreita da educação caracteriza freqüentemente os críticos cujos argumentos estamos examinando e, unida à subestimação do potencial do computador (que, em parte, pode ser decorrência dessa concepção), compõe um panorama que realmente não parece justificar a inversão de recursos materiais e humanos necessários à introdução do computador na escola.
Mas numa outra visão da educação, que há pouco delineamos sumariamente, o potencial pedagógico do computador ganha dimensões totalmente diferentes. Segundo essa visão, ele será introduzido na educação exatamente para promover aqueles objetivos educacionais que todos os educadores gostariam de saber promover, mas que, como já está provado, dificilmente podem desenvolver nos alunos dentro do contexto do ensino formal tradicional. O importante é colocar o computador a serviço dos objetivos que todos nós, como educadores e pais, gostaríamos de ver concretizados: objetivos fixados por quem educa, não pelo computador. O que se vê, porém, com lamentável freqüência, é o inverso. Subordinam-se os objetivos educacionais àquilo que se acredita ser o potencial máximo do computador ¾ mas esse potencial é subestimado, pois definido muito mais em termos do que se faz na escola, do que em termos daquilo que se poderia fazer!
Muitas pessoas são relativamente céticas acerca do potencial educacional do computador, porque pensam em sua única função pedagógica seria a de ajudar o professor a ensinar os conteúdos tradicionais do currículo: Matemática, Física, Biologia, etc. O que tenho procurado demonstrar aqui é que essa não é uma função educacional mais nobre. Ele pode e deve ser utilizado primariamente como a excelente ferramenta de aprendizagem que é ( e não como uma mera máquina de ensinar), ferramenta essa que pode ser de inestimável valia para ajudar a criança no seu desenvolvimento intelectual.
Sendo o computador, virtualmente, muito mais do que uma máquina de ensinar que deva atuar como mero adjutor no ensino dos conteúdos curriculares tradicionais, seu potencial pedagógico será muito melhor explorado se, por exemplo, as crianças o utilizarem para o aprendizado de programação. Defendo a tese de que toda criança deveria aprender a programar, porque esse aprendizado, além de útil por si mesmo, traz embutida a aprendizagem de uma série de conceitos, habilidades e atitudes que são importantes ¾ eu diria até essenciais ¾ para o seu desenvolvimento intelectual e cognitivo.
Isso não significa que todas as crianças devam escolher uma carreira em programação ou em computação. Significa, isto sim, que o aprendizado de programação tem características que o tornam valioso, não só para a tarefa de programação propriamente dita, mas para o desenvolvimento intelectual e cognitivo da criança.
Neste ponto, podemos discutir alguns aspectos relevantes inerentes ao aprendizado de programação :
desmitificação e domínio do computador;
aprendizado de técnicas e estratégias para resolução de problemas;
compreensão mais profunda do assunto do programa.
Uma certa atmosfera de mistério e até mesmo de magia cerca o primeiro contato de alguém com o computador. Embora sabido que se trata apenas de uma máquina com circuitos, teclas, etc., há algo no computador que o faz parecer não só quase vivo, mas também inteligente. A primeira coisa que o aprendizado de programação demonstra é que o computador só faz aquilo que é ensinado a fazer. Sem um programa, e, portanto, sem um programador, o computador é um perfeito idiota, que, entretanto, tem uma excelente memória e uma capacidade servil de executar ordens com precisão e rapidez. No processo de aprender esse fato essencial acerca do computador, a criança aprende quem dá ordens a quem, quem é que ensina e instrui, quem é que está no controle.
Essa descoberta, juntamente com a de que o computador não irá resolver nenhum problema que não se consiga resolver para ele, ajuda a criança a desenvolver a autoconfiança ¾ autoconfiança advinda do fato de que ela é capaz de fazer uma máquina poderosa e até misteriosa obedecer às suas ordens. Trata-se de uma sensação essencial, especialmente para as crianças que têm um grau relativamente baixo de autoconfiança, porque, em uma sociedade cada vez mais permeada pela tecnologia, é de importância vital que as pessoas, sobretudo as crianças, se convençam de que são elas que devem, mesmo porque podem, controlar as máquinas ¾ e não vice-versa.
A Segunda vantagem do ensino de programação consiste no fato de que aprender a programar o computador desenvolve uma série de habilidades e estratégia para a solução de problemas ¾ de problemas bastante reais.
Embora as pessoas aprendam a solucionar problemas, e a desenvolver certas estratégias para fazê-lo, simplesmente vivendo suas vidas, ou na "escola da vida", como dizem alguns, parece ser terrivelmente difícil, até mesmo quase impossível, ensinar, na escola propriamente dita, métodos e técnicas de solução de problemas. As razões dessa dificuldade provavelmente se relacionam com a diversidade das habilidades e dos conhecimentos, e com a profundidade de compreensão, que são exigidos para a solução de problemas ¾ bem como com a complexidade inerente à avaliação das estratégias utilizadas no processo de solução.
As escolas, em geral, preferem concentrar-se em habilidades que podem ser facilmente identificadas, isoladas, medidas e avaliadas, a dedicar-se àquelas menos tangíveis e mais profundamente inter-relacionadas. Temos aí uma deficiência muito séria de nosso sistema educacional: ensina-se o que se pode mais facilmente identificar, isolar e avaliar, mas não o que é mais importante, e que pode ser menos tangível, mais complexo, mais inter-relacionado, mais difícil de avaliar.
Computadores fornecem um contexto cheio de problemas excitantes e atraentes para as crianças e as desafiam a solucioná-los. Até mesmo as mais elementares tarefas de programação, propostas para crianças e principalmente (como desenhar ou escrever algo na tela) são suficientemente ricas e complexas para ajudar no desenvolvimento de uma série de habilidades essenciais no processo de solução de problemas. Ao mesmo tempo há aspectos dessa experiência que tornam tal solução mais fácil e mais facilmente inteligível do que no mundo real. Vejamos por quê.
Em primeiro lugar, o computador torna possível dividir, com relativa facilidade, um problema em vários outros menores. Essa estratégia é extremamente útil na solução de problemas que, de início, parecem demasiadamente complexos. Em segundo lugar, ao se propor a escrever um programa, a criança é forçada a fazer uma descrição explícita e formal do problema que irá resolver com aquele programa. Isso em si já é algo bastante positivo ¾ especialmente numa época em que, dada a premência e a urgência de tudo o que fazemos, freqüentemente procuramos solucionar um problema sem antes defini-lo exatamente... Mas o mérito não pára aí. Diferentemente de uma mera descrição verbal ou escrita de um problema e de sua possível solução, um programa que incorpore uma solução para o problema descrito, pode ser testado com facilidade, e o seu resultado pode ser comparado com o que se esperava. Esse processo contínuo de descrição do problema, proposta de uma solução, teste da solução, revisão, novo teste, etc., é de enorme valor pedagógico, pois incorpora o cerne do método científico ¾ através dele a criança aprende a aprender através de seus próprios erros. Dessa forma, e nesse contexto, o erro, ao invés de ser visto puramente como evidência de fracasso, reveste-se também de significado pedagógico positivo, tornando-se um desafio à criatividade, à inteligência, à engenhosidade e, por que não dizer, também à paciência e à perseverança. O erro torna-se, portanto, mais uma oportunidade de aprender.
Finalmente, o terceiro tipo de benefício resultante do aprendizado de programação traduz-se como um acréscimo de conhecimento a respeito do objetivo do programa. Todos os educadores já tiveram a experiência de que, ao ensinar um determinado conteúdo, freqüentemente aprendem ainda mais sobre ele. Em programação ocorre a mesma coisa. Ao tentar fazer um programa que leve o computador a executar determinados gráficos, ou a reproduzir certos sons, ou notas musicais, o programador geralmente desenvolve, acerca desses objetos, uma compreensão (e mesmo uma apreciação) bem mais profunda do que a que possuía anteriormente. Isto se aplica a qualquer assunto, e é aqui que a utilização do computador na educação se relaciona com os conteúdos do currículo: estes não são pacotes de informações a serem absorvidos, mas matéria-prima a ser trabalhada pelo aluno em suas tentativas de solucionar problemas reais e concretos.
Programação, portanto, é uma mistura de arte e ciência, de intuição e lógica. Não há regra ou método que nos ensine a ter boas idéias, a inventar ou descobrir boas soluções para nossos problemas. Nesse aspecto a programação é uma arte, que tem que ver como o lado intuitivo e criativo das pessoas. Mas mesmo boa idéia precisam ser implementadas, testadas, depuradas. É aqui que entram a lógica e o método. Pois para o processo de teste e depuração há regras e critérios. O valor pedagógico, bem como o atrativo e a beleza da programação, residem no fato de que ela combina elementos que a muitos parecem inconciliáveis: intuição e lógica; criatividade e rigor; liberdade e método; arte e ciência.
3. Críticas com Relação à Ação Educacional
Neste item passo a considerar as objeções daqueles que, convictos do poderoso efeito que o computador poderá exercer sobre a educação, temem que tal efeito seja indesejável ou mesmo danoso. Em minha análise amparo-me em formulações de Papert, expostas no primeiro capítulo da obra já citada.
Uma das principais objeções é a de que o contato constante com o computador poderia levar a criança a desenvolver formas de pensar "mecanizadas". Se Marshall McLuhan está certo quando afirma que "o meio é a mensagem", as crianças poderiam estar aprendendo, em seu contato com o computador, que pensar é pensar como o computador "pensa", isto é, sem ambigüidades e de forma lógica e automatizada.
Já afirmamos, porém, que a tarefa de programação, embora envolva o rigor, a lógica e o método, envolve também, ou melhor, pressupõe uma forma de pensar intuitiva, livre, criativa.
Mas não se esgotam aí os argumentos que podem atenuar os receios dos críticos. Papert observa corretamente que, ao invés de lamentarmos os possíveis efeitos funestos do computador, deveríamos explorar maneiras de orientar para direções positivas e desejáveis a influência que se presume prejudicial à aprendizagem e à forma de pensar da criança.
De que maneira isso poderia ser feito? Tomemos como exemplo o receio de que o contato constante com o computador possa levar a criança a pensar de forma mecanizada. Papert observa que é possível inverter esse processo e obter excelentes vantagens educacionais da arte de deliberadamente pensar como um computador, à maneira de um programa que avança inexoravelmente, de maneira mecânica, literal, passo a passo, de uma instrução para a outra. Em primeiro lugar, não resta dúvida de que há contextos em que tal estilo de pensamento é apropriado e útil. As dificuldades que algumas crianças têm no aprendizado de conteúdos formais, como Matemática, ou mesmo Gramática, são freqüentemente decorrentes de sua incapacidade de apreender o sentido desse estilo de pensamento.
Mas as vantagens que podem ser extraídas do contato com essa maneira mecânica de pensar não param aí. Uma segunda vantagem, talvez até muito mais importante, reside no fato de que, em contato com o computador, a criança aprende muito cedo a distinguir o pensamento mecânico do que não o é. Essa habilidade poderá lhe permitir, em face de certo problema, escolher o estilo de pensamento mais adequado para resolvê-lo. A análise do pensamento "mecânico", a percepção de como ele difere de outras formas de pensamento, e a prática obtida na análise e solução de problemas, podem, portanto, dotar a criança com um nível de sofisticação intelectual bastante elevado. Ao fornecer-lhe um modelo concreto e acessível de um particular estilo de pensamento, o computador torna-lhe perceptível o fato de que existem diferentes estilos de pensamento!
Ao dar-lhe a possibilidade de optar, em um dado contexto, por um outro estilo, o computador cria condições para que a criança desenvolva a habilidade de discernir o estilo mais apropriado a cada situação. A tarefa de programação, como já se mostrou, exige dois estilos de pensamento bastante diferentes. Se isso é verdade, o contato com o computador, desde que orientado de maneiras adequadas, ao invés de induzir uma forma de pensar mecânica, pode tornar-se o melhor antídoto contra o monopólio dessa forma de pensar. Nesse processo, a criança estará aprendendo a pensar sobre o pensamento, comportando-se, portanto, como um verdadeiro epistemólogo.
Outro receio comumente expresso é o de que o computador, dada a atração que exerce, especialmente por ser utilizável como um videojogo, possa envolver a criança de tal maneira, que ela acabe ficando "grudada" a ele, desligando-se de tudo mais, e descuidando-se de seus estudos até mesmo de sua vida social. Deve-se dizer, em primeiro lugar, que a experiência tem mostrado que diante do computador as crianças ficam bem menos "fanatizadas" que os adultos. A criança encara os equipamentos com maior naturalidade ¾ é o adulto que fica fascinado, que se esquece de comer, de dormir e de dedicar-se a outras funções vitais para mexer no computador.
Entretanto, não se pode negar que o computador de fato exerce grande atração sobre a criança. O que deve fazer, seguindo a linha do que já foi dito aqui, é explorar essa atração em direções positivas e desejáveis. Muitas pessoas envolvidas na área de computação aplicada a educação têm procurado explorar o potencial pedagógico de jogos computadorizados. Vários jogos hoje existentes têm, na verdade, maior conteúdo pedagógico que muitos dos programas autodenominados educacionais. Esses jogos freqüentemente incorporam importantes conceitos de Física, Matemática, e mesmo de Lingüística, que, colocados à disposição da criança de forma concreta, permitem-lhe aprender a manipulá-los naturalmente, brincando.
Como dissemos antes, quase toda forma de contato com o computador pode trazer resultados pedagogicamente benéficos ¾ inclusive o contato através de jogos. Mas adiante veremos como, por exemplo, o uso de um processador de textos pode contribuir para o aprendizado de comunicação e expressão.
Retorno agora ao início deste trabalho. Muito se tem dito acerca da utilização do computador na educação. A favor e contra. Competente e incompetentemente . Acredito seriamente que o potencial pedagógico do computador mal começou a ser explorado. Suas possibilidades são quase ilimitadas. A cada dia se ouve falar de uma nova modalidade de utilização ¾ no aprendizado da arte, da música, de línguas (materna e estrangeira), etc. Mas o mais importante não é nem mesmo isso. É que a criança, dominando o computador, tem à sua disposição um instrumento poderoso com o qual pensar e aprender.
É interessante notar que efeito positivo do computador sobre o desenvolvimento intelectual e cognitivo da criança parece acontecer independentemente da modalidade do contato. Ou seja, o efeito se observa quando a criança aprende a programar, ou quando usa o computador para aprender outros conteúdos (seja através de instrução programada, seja através de linguagens como o LOGO), ou quando usa programas aplicativos genéricos, como processadores de texto, gerenciadores de bancos de dados, planilhas eletrônicas, etc., ou mesmo quando usa o computador no lazer (jogos).
III. Maneiras de Utilizar o Computador na Educação
Além de discutir as vantagens e os benefícios da introdução de microcomputadores na educação, é necessário indicar algumas das possíveis maneiras de o microcomputador auxiliar o processo pedagógico.
Por julgar necessário, e até óbvio, de certo modo, não vou comentar em maiores detalhes as possibilidades de utilização do microcomputador na administração escolar e educacional, pois estas encontram-se bastante próximas de alguns dos usos clássicos. Mas certamente o microcomputador pode ser utilizado em tarefas rotineiras da administração escolar, como contabilidade geral, contas a pagar e a receber, folhas de pagamento, elaboração de orçamento e acompanhamento de sua execução, projeção de receita e de despesa com base em várias possibilidades de reajuste de mensalidades e de salários, arquivos de endereço, emissão de carnês, malas diretas, etc.
O microcomputador também pode ser usado para tarefas secretariais de datilografia, pois substitui com vantagens, através de um processador de textos e de uma impressora, não só a máquina de escrever tradicional como o clássico mimeógrafo a álcool, e às vezes até a máquina xerox (hoje, o custo de uma folha de formulário contínuo está bem abaixo do custo de uma xerocópia), facilitando sobremaneira a redação de cartas e ofícios, circulares para e de professores, programas de curso, roteiros, provas, etc.
Mais específicas são as tarefas atinentes à administração acadêmica propriamente dita. Arquivos com os nomes, endereços, séries e classes dos alunos, com o histórico de suas notas, listas de chamada, agendas de atividades, cálculos de médias, análises estatísticas do desempenho das classes, listagens de alunos com dificuldades em determinados assuntos, comparação do desempenho de diferentes classes da mesma série, ou de diferentes turmas, arquivos de guias curriculares, programas de disciplinas, roteiros de aula, provas, exercícios, bibliografias complementares, livros didáticos disponíveis nas várias áreas e para as diferentes disciplinas, serviços de cadastramento dos livros da biblioteca da escola e de suporte ao usuário, etc., são alguns dos serviços de apoio à administração pedagógica da escola que um microcomputador poderá realizar. O supervisor pedagógico criativo saberá descobrir outras formas de utilização.
Embora não seja muito enfatizada nas discussões teóricas, a aplicação de microcomputadores para executar essas tarefas da administração escolar e educacional, ou para auxiliar a executá-las, facilita muito o fluxo das atividades escolares.
Uma segunda modalidade que não será detalhada aqui é o uso do microcomputador para o ensino da própria computação. As escolas, às vezes, não oferecem muitas habilitações profissionalizantes no 2.º grau, ou não conseguem implantar habilitações atraentes, em virtude dos investimentos que exigem. Com a popularização dos microcomputadores e seu barateamento relativo (para não mencionar o fato de que alguns fabricantes e revendedores oferecem pacotes especiais para escolas), habilitações profissionalizantes na área de computação passaram a ser uma opção certamente interessante e viável para as escolas. A demanda com que contam é incrivelmente forte, como bem atesta a proliferação dos cursos livres de digitação, operação, programação, etc. E não há como negar a sua importância e relevância em termos de preparo para o exercício de profissões que serão cada vez mais solicitadas no futuro.
Para nossas finalidades, interessa examinar a utilização do microcomputador no processo de ensino e aprendizagem de conteúdos curriculares. Há várias maneiras de abordar o assunto. Poder-se-ia dividir a discussão conforme as aplicações exeqüíveis nos diferentes graus do ensino escolar ¾ pré-escola, 1.º grau, 2.º grau, etc. Ou então conforme as áreas específicas do currículo ¾ Matemática, Física, Química, Biologia, Comunicação e Expressão, Artes, etc. Mas prefiro abordar a questão descrevendo algumas formas de utilização do microcomputador na educação e realçando, em cada caso, se certa forma é mais indicada para determinado grau e se há áreas do currículo que se adequam melhor a esta ou àquela forma de utilização. Vamos analisar as seguintes:
Instrução programada;
Simulações e jogos;
Aprendizagem por descoberta;
Pacotes aplicativos
1. Instrução Programada
Trata-se de um método que coloca o microcomputador na posição de quem ensina o aluno. A sigla CAI (abreviatura de Computer Assisted Instruction) tem sido freqüentemente utilizada como denominação resumida dessa modalidade de utilização do microcomputador na educação.
Em termos quantitativos, é a forma de utilização mais difundida. É usada em escolas, em empresas, nas forças armadas e em várias outras instituições. Os que a adotam vêem o microcomputador, basicamente , como um recurso ou auxílio instrucional que facilita a consecução de certos objetivos educacionais tradicionais através de métodos fundamentalmente convencionais. Em escolas, essa abordagem, com freqüência, resulta na utilização do microcomputador virtualmente como uma máquina de ensinar ou como um sofisticado equipamento audiovisual que ensina fatos, conceitos ou habilidades, dentro do contexto curricular regular. Ocasionalmente, alguns métodos menos convencionais, como simulações e jogos, são acoplados à instrução programada, mas na maioria dos casos esta resume-se a exercícios repetitivos (para a fixação ou recuperação) ou tutoriais, e a demonstrações
Dentro das várias formas de instrução programada, os exercícios repetitivos talvez sejam a maneira mais comum de utilização do microcomputador na educação. Programas que levam o aluno a praticar, repetitivamente, as operações aritméticas, as capitais do mundo, os nomes de chefes de Estado, os plurais irregulares, a ortografia, o vocabulário de línguas estrangeiras, os símbolos das substâncias químicas, etc., estão entre os mais difundidos e populares ¾ e também mais criticados por segmentos da comunidade pedagógica. Professores usam esses programas para ajudar os alunos a memorizar determinados fatos, para permitir que alunos defasados possam alcançar os outros, trabalhando fora do horário normal, para permitir que os alunos mais avançados possam progredir na matéria em ritmo mais acelerado, etc. As principais críticas a esse tipo de utilização centram-se no fato de que a pedagogia utilizada ¾ basicamente de estímulo e resposta ¾ é muito estreita, às vezes desnecessariamente cansativa, e, por vezes, conducente a uma forma limitativa ou mesmo errônea de aprendizagem: a aprendizagem (basicamente passiva) por absorção e assimilação de informações.
Não resta dúvida, porém, de que, se bem concebido e implementado, esse tipo de exercício de instrução programada pode ser de grande utilidade, pois o componente microcomputador acrescenta uma nova dimensão motivacional ao processo de ensino e aprendizagem; tarefas que poderiam parecer incrivelmente maçantes aos alunos, como aprender tabuadas, ou plurais irregulares, ou fatos históricos importantes, passam a ser desenvolvidas com relativo grau de interesse e mesmo de prazer.
Do ponto de vista da concepção, programas de instrução programada normalmente começam pedindo o nome do aluno, às vezes perguntando-lhe o nível de dificuldade que deseja enfrentar ou dando-lhe algum tipo de opção. Terminado esse diálogo inicial, o programa ou transmite na tela algumas informações e depois testa o aluno acerca das informações repassadas, ou então lhe comunica que ele vai ser testado sobre o material encontrado nas páginas tais e de determinado livro.
As perguntas normalmente vêm na forma de questões de múltiplas escolha ou de questões com lacunas a serem preenchidas. Às vezes há exercícios que pedem o estabelecimento de correlações. Após cada resposta, o aluno recebe um cumprimento, se respondeu corretamente; caso contrário uma mensagem informa-lhe que sua resposta está errada e, algumas vezes, que ele tem uma ou mais chances de tentar novamente.
Especialmente em programas destinados a crianças menores a resposta certa pode ser recompensada com um gráfico mostrando um rosto sorridente e com algum efeito sonoro agradável, e a resposta errada vir acompanhada de um rosto triste e de alguma música meio fúnebre.
Durante todo processo o programa vai contabilizando o número de respostas certas e erradas, e às vezes, registrando o número de tentativas necessárias para que a resposta correta apareça ou o tempo gasto para se responder a cada pergunta. Essa contabilidade toda é fornecida ao final do programa e, em muitos casos, automaticamente gravada em disco, para que o professor possa mais tarde analisar o desempenho de cada um dos alunos e tomar as medidas que achar apropriada.
Existe software voltado especificamente para auxiliar o professor a montar esse tipo de programa educacional. Tal software interage com o professor, perguntando-lhe se quer exibir texto aos alunos e permitindo-lhe digitar esse texto como se o fizesse numa máquina de escrever. Pergunta-lhe, a seguir, se deseja elaborar questões de múltipla escolha ou de preenchimento de brancos, ou ainda de algum outro tipo. Escolhido o tipo, é solicitado o número de questões e de opções (se for o caso), bem como as informações relativas à nota mínima para a aprovação (ou equivalente), ao tempo máximo que se deve dar ao aluno em cada questão (que pode ser ilimitado), ao número de tentativas que se lhe deve permitir, aos comentários que devem aparecer após uma resposta certa e uma errada, etc. Acertados esses detalhes, o software gerador de programas educacionais de instrução programada pede ao professor que digite a primeira pergunta e suas várias opções, e que forneça a opção correta ou a (s) resposta (s) que preenche (m) corretamente o (s) branco (s). Feito isso, repete-se o processo para as perguntas seguintes. Algumas variações desse software chegam mesmo a embaralhar, aleatoriamente, as várias opções, caso o professor o deseje, de modo a garantir que cada opção tenha uma distribuição aleatória de respostas corretas. Um outro software é geralmente utilizado pelo aluno para o acesso ao material gerado pelo professor ¾ material esse que às vezes é chamado de courseware, para distingui-lo do software que permitiu ou facilitou a sua geração.
Essa forma de utilização do microcomputador na educação pode ser empregada basicamente em qualquer área do currículo, para qualquer dos níveis ou graus do processo educacional, desde a pré-escola até o ensino superior, embora na pré-escola seja preciso levar em consideração o fato de que as crianças normalmente não são alfabetizadas, mas capazes, em muitos casos, de reconhecer letras e números. Nessas circunstâncias, ou se utiliza um sintetizador de voz, ou se faz um programa que será usado com a supervisão do professor.
Uma variedade de instrução programada talvez um pouco mais sofisticada do que os exercícios repetitivos de prática e fixação, é a que engloba os chamados tutoriais. O objetivo do tutorial é levar o microcomputador a instruir o aluno, em uma determinada área do conhecimento, mais ou menos da mesma maneira que um tutor o faria, em um contato individualizado com o aluno. Obviamente, há diferenças cruciais. O microcomputador não é humano, e por mais humanóide que possa parecer, através de programação adequada, ele, no final das contas, sempre tem que operar com uma limitada gama de possibilidade.
A maior parte dos tutoriais lembra-nos certos diálogos socráticos: o microcomputador fornece alguma informação e propões, sobre ela, uma série de questões, cada qual com um número relativamente limitado de respostas possíveis. O aluno digita uma resposta, que, se o programa foi bem feito, estará entre aquelas antecipadas pelo microcomputador. Caso a resposta não se inclua na gama daquelas com que ele está preparado para lidar, normalmente há previsão para mensagens informando que o microcomputador não entendeu a resposta e pedindo que aluno tente formulá-la diferentemente. Dependendo da natureza da resposta, o microcomputador fornecerá mais informações e fará mais perguntas.
Podemos ilustrar a questão com um programa tutorial relativamente sofisticado, que, apesar disso, é com freqüência usado como exemplo. Imaginemos um programa para ensinar o conceito de densidade, no qual são apresentados ao aluno, na tela, através de gráficos, dois copos com líquido. O microcomputador pede ao aluno que observe o que acontece quando uma pedra de gelo é colocada em cada copo. Em um caso, o gelo vai para o fundo do copo; no outro, fica na superfície. O microcomputador pergunta:
"¾ O que é você viu acontecer?"
e o aluno responde algo assim:
"¾ Uma pedra fundou e a outra ficou em cima" ou "¾ Um gelo afundou e o outro não."
Estando, como deve ser o caso, cada uma dessas respostas dentro do previsível, o microcomputador dirá:
"¾ Ok. Por que, na sua opinião, aconteceu isso?"
e o aluno poderá responder dizendo:
"¾ Uma pedra era mais pesada do que a outra."
Essa é, também, uma resposta previsível, com a qual o programa deve saber lidar. Uma maneira de fazê-lo é perguntar:
"¾ E se colocássemos um pedaço de madeira em cada copo, uma mais pesado que o outro, aconteceria a mesma coisa?"
ao que o aluno poderia responder com:
"¾ Acho que sim."
Ou com algo equivalente. Se for isso, o microcomputador pode exibir novamente o gráfico, jogando dessa vez dois pequenos pedaços de madeira nos copos e informando que têm peso diferente. Só que agora os dois flutuam. Pergunta o que aconteceu, o aluno responde que os dois flutuaram, o microcomputador pergunta por que isso se deu, e o aluno responde alguma coisa como:
"¾ Os dois pedaços eram mais leves do que a água."
E o diálogo continua.
Esse exemplo é relativamente sofisticado, pois o programa usa gráficos e animação (os objetos afundando), e dispõe de previsão para reconhecer e aceitar respostas genéricas como "Acho que sim" e complexas como "Os dois pedaços eram mais leves do que a água". Tal sofisticação, hoje, é perfeitamente exeqüível, tanto em termos dos equipamentos existentes como das técnicas pedagógicas necessárias para elaborar um programa dessa natureza.
Obviamente, a tarefa de programação, em um caso como esse não é fácil, pois o programador tem que tentar antecipar a maior parte das respostas do aluno – mesmo (e talvez principalmente) as erradas – de modo a criai um diálogo significativo. Isso é extremamente difícil e exige muita memória no equipamento – talvez mais memória do que a maioria dos microcomputadores disponíveis em escolas teria condições de possuir, hoje em dia. É preciso, também, testar extensivamente o programa, para verificar se algumas respostas relativamente típicas não foram omitidas, etc. Para evitar esse e outros problemas, há sempre a tentação de formular perguntas com formato de múltipla escolha, ao invés de perguntar de formato aberto. Tal procedimento, porém, acarreta o risco de os tutoriais acabarem tornando-se exercícios repetitivos, que, mesmo com o uso de gráficos, perderiam muito de sua criatividade.
É verdade que os tutoriais, depois de utilizados algumas vezes, estão sujeitos a "perder a graça", pois o aluno já sabe como o microcomputador vai comporta-se em cada situação. A rigor, esses tutoriais são muito semelhantes, em termos de concepção, aos célebres jogos de aventura, em que o jogador tem de descobrir um tesouro, ou libertar uma princesa, ou qualquer coisa assim, e, para tanto, tem de (inevitavelmente!) chegar a um castelo. Inicialmente ele está colocado a tantos metros do castelo e pode ir para o norte, sul, leste ou oeste (ou equivalente). Dependendo da escolha, o microcomputador lhe dá algumas outras opções, ou alguma informação ou indicação. E assim por diante. Quando o que o jogador digita não está dentro da gama daquilo que o microcomputador está programado para assimilar, ele fornece respostas-padrão, informando o jogador d fato. Esse jogos acabam ficando tão sofisticados, mesmo em microcomputadores, que o programa, às vezes, está preparado até para lidar com palavrões que um jogador mais desesperado resolve digitar. Mas, como nos tutoriais, aqui também o jogador, depois de um certo tempo, se cansa, exatamente por causa da inevitável previsibilidade do comportamento do microcomputador.
Porém, em termos técnico e pedagógicos, os tutoriais são inegavelmente superiores aos exercícios repetitivos de prática e fixação, embora dificilmente possam, justamente em virtude de sua maior sofisticação, ser usados por crianças muito novas. São recomendados, portanto, para alunos do 2º grau e mesmo do final do 1º grau, e certamente podem ser utilizados no nível universitário. Não há restrições quanto a áreas curriculares: basicamente, qualquer área poderia beneficiar-se utilizando-os.
Por fim, consideremos as demonstrações, técnicas didática presente no repertório da maioria dos professores, principalmente dos da área de ciência. Contudo, exceto para as mais simples, exige-se, freqüentemente, um tempo de preparação nada desprezível e, às vezes, kits relativamente caros, para fazê-las interessantes e eficientes. Apesar disso, em muitos casos a demonstração acaba não funcionando quando e como devia... A utilização de um microcomputador pode elevar as demonstrações em sala de aula a incríveis graus de sofisticação e, ao mesmo tempo, proporcionar adequada garantia contra falhas – tudo isso por um custo final consideravelmente menor.
Fazendo uso dos recursos gráficos, sonoros e cromáticos da maioria dos microcomputadores hoje existentes, empresas de software estão desenvolvendo pacotes demonstrativos, para utilização em sala de aula, que dentro em breve tornarão o retroprojetor algo totalmente obsoleto. Imagine-se um programa que demonstre a relação entre as variáveis associadas a uma curva de seno. O professor e/ou o aluno podem manipular qualquer variável – a amplitude, por exemplo – e observar seu efeito sobre as outras em uma representação visual da curva na tela. Não há mais necessidade de giz de diferentes cores para indicar as mudanças na forma. Não é mais preciso apagar curvas e redesenhá-las. Torna-se desnecessário manter um sem número- de transparências, de cores diferentes, para colocar uma em cima da outra. Aperta-se uma tecla... e a curva desaparece – ou então uma Segunda curva, em cores diferentes, sobrepõe-se à primeira. E assim por diante.
As demonstrações efetuadas pelo microcomputador têm um potencial muito mais rico do que as realizadas com giz e quadro-negro ou com transparências. As variáveis podem ser manipuladas com facilidade, e os efeitos são instantâneos. Além disso, as áreas de aplicação são verdadeiramente ilimitadas: abrangem desde a estrutura atômica até o movimento dos planetas, passando pela trajetória dos alimentos no aparelho digestivo e por centenas de outros assuntos.
Mas demonstrações bem feitas exigem programação sofisticada. Os mencionados pacotes demonstrativos estão além da capacidade de programação da maior parte dos professores e teriam, portanto, de ser adquiridos. Seu preço atual, entretanto, impede que sejam acessíveis a todos. Porém a disseminação e popularização do uso de microcomputadores na educação deverá produzir uma tendência ao barateamento daqueles pacotes.
Contudo, mesmo as mais modestas demonstrações podem ser de grande utilidade para o professor e de grande efetividade no que diz respeito ao aluno. Podem ser usadas em qualquer área do currículo e em qualquer um dos níveis ou graus de escolaridade, desde a pré-escola até o ensino superior. Servem ao professor que quer apresentar um material ou ao aluno que deseja estudá-lo ou revê-lo.
2. Simulações e Jogos
Uma simulação é um modelo que pretende imitar um sistema, real ou imaginário, com base em uma teoria de operação desse sistema. Umas das principais aplicações de computadores nas forças armadas e no governo tem consistido em utilizá-lo para simular alguns ambientes a fim de testar os efeitos neles produzidos por várias formas de intervenção.
A implementação desse tipo de simulação muito complexa normalmente exige equipamentos de grande porte. Mas não se trata do único tipo possível. Na verdade, para fazer simulações não é necessário nem sequer o computador. Todos conhecem jogo não-computadorizados, como o Banco Imobiliário, o War, etc., simulações bastante interessantes e instrutivas, por mais que se possa discordar dos conteúdos que veiculam.
Hoje em dia, microcomputadores já tem capacidade de simular sistemas razoavelmente complexos. Eles podem ser programados para responder a determinadas intervenções de maneiras realistas e predizíveis, e sem dúvida podem processar significativas quantidades de dados. Por isso, simulações pedagogicamente relevantes podem ser realizadas com grande complexidade e realismo, gerando, dessa forma, considerável interesse.
Esse recurso, porém, não poder nem deve substituir totalmente o trabalho no laboratório. O aluno nunca vai aprender, no microcomputador, a acender um fogareiro, ou a aquecer de fato uma proveta. Isto significa que as simulações pelo microcomputador devem ser utilizadas como um complemento, e nunca como uma substituição total, do trabalho no laboratório. Se os educadores resolverem utilizar apenas aquelas, estarão privando as crianças de importantes experiências de aprendizagem. Da mesma forma, aqueles que objetam ao uso de simulações podem estar privando as crianças de experiências de aprendizagem igualmente importantes e estimulantes, às quais elas não teriam outro meio de acesso.
As empresas de software já perceberam o potencial pedagógico desse tipo de programa e têm colocado no mercado interessantes simulações, como as do acidente em Three Mile Island, do mercado de ações em Wall Street, da pilotagem de vários tipos de avião, etc. Nesses programas – que, em alguns casos, certamente têm considerável dose de fantasia, razão pela qual são freqüentemente descritos como jogos pedagógicos –, o testa suas hipóteses sobre os problemas que surgem no ambiente simulado manipulando variáveis e verificando como o comportamento do modelo se altera variedade de situações e condições.
Na verdade, como esses exemplos deixam entrever, a linha divisória entre simulações e, de um lado, demonstrações e, de outro, jogo, é, às vezes, muito tênue. Não é importante, contudo, pôr em relevo tais distinções classificatórias. Na maioria das vezes elas penas refletem diferentes ênfases ou intenções. Não resta dúvida de que alguns jogos possivelmente desenvolvidos sem maiores propósitos pedagógicos podem ser tão instrutivos quanto algumas simulações concebidas explicitamente para contextos educacionais. O valor pedagógico da simulação deriva ano tanto do conteúdo que ela exprime, mas do raciocínio sofisticado e das habilidades relativas à solução de problemas que ela estimula e requer. Boas simulações objetivam ajudar o usuário/aluno a desenvolver essas características interagindo com o modelo, independentemente do objeto da simulação. Boas simulações utilizam, para alcançar esse objetivo, gráficos, animação, texto e, acima de tudo, um problema realista e desafiador a ser enfrentado e solucionado.
As características de uma simulação interessante, do ponto de vista técnico e pedagógico, são muitas e variadas. Não há condições, aqui, nem sequer de mencionar muitas delas. Vou me ater apenas a algo que me parece importante. Ao planejar uma simulação pedagógica, é essencial lembrar que, de modo a permitir que o aluno manipule sua variáveis de maneira relativamente clara e acessível. Por outro lado, é necessário que o modelo seja suficientemente próximo do sistema original, com um número razoável de detalhes interessantes, tem simplificações exageradas; caso contrário, a simulação perde em poder descritivos e explicativo, e também em interesse.
Desenhar e desenvolver um sistema com essas características não é fácil nem rápido e, possivelmente, está além da capacidade e/ou disponibilidade da maioria dos professores, com raras exceções. A maior parte das vezes, portanto, os professores terão que utilizar software comercial, que, é bom que se diga, nem sempre tem a desejável qualidade, seja técnica, seja pedagógica. É necessário, portanto, que se faça a seleção desse material com grande cuidado, levando-se em conta o preço que às vezes é elevado, a qualidade técnica e, acima de tudo, o valor pedagógico do programa.
Simulações pelo microcomputador podem ser usadas na sala de aula a serviço de uma série de objetivos educacionais, como domínio de habilidades, aprendizagem de conteúdos, desenvolvimento de conceitos, promoção de investigação, aumento de motivação, etc.
Na área de ciências, o microcomputador pode simular experimentos e sistemas naturais, A simulação, por exemplo, de um laboratório de química pode adicionar uma série de perspectivas ao trabalho pedagógico, reduzindo, ao mesmo tempo, o custo e a periculosidade, pois permite estudar, com razoável realismo, eventos e processos que, devido ao seu custo elevado ou alto grau de periculosidade, ou ainda a outras razões, normalmente não estão ao alcance da investigação e do conhecimento da maior parte das crianças. Em uma simulação, reagentes químicos podem ser "misturados" e o efeito dessa "mistura" pode ser vista instantaneamente, na tela do microcomputador, com economia de dinheiro, risco e tempo para a escola. A possibilidade de erros de procedimentos e medidas é consideravelmente diminuída nesse caso. Hipóteses complexas podem ser testadas com bastante facilidade. Tudo isso fala a favor da simulação pelo microcomputador como um importante recurso para o processo de ensino e aprendizagem.
Ainda a respeito das ciências naturais, é importante também observar que, em vista do fato de que a maior parte dos processos em investigação funciona sob regras precisas, a experiência de aprendizagem através de simulação por microcomputador freqüentemente implica aprendizagem não só de conteúdos, mas também de regras e princípios de procedimento.
No caso dos estudos sociais, as coisas ficam um pouco mais complicadas, porque aí os eventos e processos não funcionam ou operam, a maior parte do tempo, em obediência a regras e princípios precisos – ou, se o fazem, freqüentemente desconhecemos quais sejam. As limitações do microcomputador, porém, impõem às simulações, também nessa área, regras precisas e resultados predeterminados, a despeito do fato de que em geral os sistemas simulados não se comportam de tal maneira. Com uma programação competente pode dar-se relativa flexibilidade à simulação, sem, contudo, eliminar essa limitação.
Esse fato nos faz insistir na necessidade de que, depois do trabalho com uma simulação, forneçam-se aos alunos esclarecimentos sobre os pressupostos utilizados na criação daquele modelo, de modo a poderem eles entender por que o modelo se comportou dessa ou daquela maneira e compreender as limitações envolvidas no processo.
Exceto pela mencionada limitação, não há restrições ao uso de simulações pelo microcomputador, no que diz respeito a áreas curriculares. Na verdade, a maior parte das simulações de fato interessantes são tipicamente interdisciplinares. Imaginemos, à guisa de exemplo, uma simulação da vida de um aluno após concluída sua formação escolar. Essa simulação forneceria ao aluno respostas, ou feedback, às decisões que ele tomasse, como casar-se, arrumar um emprego de programador, ter dois filhos, etc. As respostas seriam formuladas com base em dados estatísticos relativos a pessoas com características semelhantes. Tal simulação, se bem construída, ensinaria coisas importantes sobre os mais variados aspectos práticos, sobre economia, profissões, casamento, psicologia social, individual, infantil, etc., pois tentaria imitar a vida real, que é caracteristicamente interdisciplinar.
No que tange aos graus ou níveis de escolaridade, as simulações sofisticadas, por exigirem, talvez até mais que as demonstrações, um certo nível de abstração ao usuário, seriam especialmente recomendáveis para o 2º grau e para o ensino superior. Simulações menos sofisticadas, porém, que se assemelhassem mais a jogos pedagógicos, podem ser usadas com proveito nos gruas inferiores.
A propósito dos jogos pedagógicos, vamos deter-nos em alguns de seus aspectos.
Os jogos pedagógicos distinguem-se de outros tipos de jogos basicamente pelo seu objetivo: têm como alvo explícito promover a aprendizagem. É difícil encontrar alguma outra característica distintiva. Diferenciá-los de outras modalidades de programas pedagógicos é relativamente mais fácil, embora, como vimos, a linha divisória entre as simulações e alguns jogos pedagógicos por vezes não seja muito nítida. Os jogos pedagógicos, como todos os jogos, pretendem ser divertidos, embora estejam a serviço da aprendizagem. Espera-se, assim, que o aluno aprenda com maior facilidade – até sem sentir – os conceitos, as habilidades ou os conhecimentos incorporados no jogo.
Há jogos pedagógicos em que o componente lúdico é mero invólucro, adicionado como elemento motivacional, e pouco tem que ver, intrinsecamente, com o que se quer transmitir. Há outros jogos, porém, que por si mesmo têm o caráter de experiências de aprendizagem ricas e complexas. O jogo, nesses casos, não é algo extrínseco, adicionado a um experiência de aprendizagem para torná-la mais agradável: é, ele próprio, parte integrante daquela experiência.
Há um famoso jogo pedagógico que tem por finalidade levar o aluno/jogador a descobrir quem cometeu determinado crime. (Muitos educadores têm criticado, com alguma justiça, o fato de que a maior parte dos jogos, incluindo os pedagógicos, gira ao redor de temas violentos, como assassinatos, guerras, desastres nucleares, ataques de extraterrenos, etc. Certamente outros temas poderiam ser mais explorados – mas alinho-me entre aqueles que não são obcecadamente contrários aos jogos, com temas pouco amenos.) Para isso, o aluno tem que saber aplicar, ou aprender a aplicar, várias regras de lógica e evidência. Oferecem-se ao aluno enunciados contendo pequenas informações, que, à primeira vista, parecem nada Ter que ver com o resultado final. Mas o uso do bom estilo sherlockiano permite juntá-los a outros, estabelecer a partir deles deduções que vão gerar novos enunciados, e assim por diante. Ao final, descobre-se, com absoluta certeza, quem é o assassino e percebe-se que cada enunciado fornecido foi essencial para se segar àquela conclusão.
Um jogo desses é tremendamente instrutivo, pois demonstra ao aluno a necessidade de encarar pensamento, linguagem e lógica com extrema seriedade. Ele aprende como processar informações, como fazer inferências lógicas, como testar conjeturas, etc., tudo na operação de solucionar um problema interessante.
Há outros jogos cujo objetivo educacional consiste mais no ensino de habilidades básicas. Um jogo interessante para ensinar os fatores de um determinado número (mas que ensina bem mais do que isso) funciona mais ou menos deste modo: o microcomputador exibe na tela números de 1 a 25 – ou de 1 a 50, ou de 1 a 100, conforme a escolha do jogador. Este seleciona um número qualquer e recebe os pontos correspondentes ao seu valor. As regras são as seguintes:
Todos os fatores, exibidos na tela , de cada número escolhido pelo jogador têm seu valor atribuído ao oponente – no caso, o microcomputador. Para cada número selecionado pelo jogador, o microcomputador tem que ganhar pelo menos um ponto; não é permitido, pois, selecionar um número que não tenha mais nenhum fator presente na tela.
Tendo o jogador escolhido um número e o microcomputador ganho os pontos correspondentes à soma dos valores de cada um de seus fatores que ainda estava na tela, tanto número escolhido como seus fatores são eliminados da tela.
Quando um jogador não tiver não tiver mais condições de jogar, por não haver mais nenhum número a escolher que dê ao microcomputador pelo menos um ponto, o microcomputador fica com os pontos correspondentes à soma dos valores de todos os números restantes na tela, isto é, aqueles que o jogador não pôde escolher.
Como se pode facilmente ver, para começar bem o jogador deve escolher primeiro o maior número primo presente na tela. Caso a seqüência cabe em 25, a escolha deve recais sobre 23, pois dessa forma o jogador ganha 23 pontos e o microcomputador apenas 1 (único fator de 23, que, sendo primo, só é divisível por si mesmo e pela unidade). Feito isto, 23 e 1 são eliminados da tela, e o resultado é 23 a 1 a favor do jogador. Suponhamos, porém, que numa infeliz segunda jogada, o jogador escolha 24, o número que certamente dará alguns fatores ao microcomputador. O total de pontos do jogador, portanto, salta para 47. Mas, em compensação, o microcomputador ganha os fatores 12, 8, 6, 4, 3, 2 – 35 pontos! E, pior ainda, todos estes números são eliminados da tela, de modo que, por exemplo, o número 16 fica condenado a pertencer ao microcomputador ao final, pois seus únicos fatores, 2, 4, 8, já foram eliminados. E por ai vai.
Pode-se perceber que o jogo leva não só ao aprendizado dos fatores vários números, mas também, de maneira relativamente concreta, ao aprendizado do conceito de número primo, ao conhecimento dos números primos da seqüência em jogo, eventualmente à descoberta das melhores maneiras de decidir com facilidade e rapidez se um determinado número é divisível por outro, etc. Mas o jogo também vai ajudando o aluno a desenvolver, à medida em que se familiariza com programa, estratégias de ação que lhe permitam ganhar com mais freqüência e/ou facilidade, e habilidades para solucionar problemas.
Semelhantemente ao caso das simulações, grande parte do valor e do atrativo dos jogos pedagógicos através do microcomputador deriva do fato de que estes podem ser incomparavelmente mais complexos e desafiadores que seus pares não-computadorizados. Um só jogo pode servir como contexto para a aprendizagem de múltiplos conceitos e variadas habilidades, de natureza bastante sofisticada, tudo isso de uma maneira tal que o aluno dificilmente fica cansado no processo.
Infelizmente, um bom jogo pedagógico não é fácil de programar. Exige tempo, conhecimento de programação, de psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, e, naturalmente, uma idéia criativa e pedagogicamente valiosa. O preço final fatalmente não é baixo. O desenvolvimento desse produto exige o patrocínio de órgãos comprometidos com a causa educacional, porque as alternativas, em termos de mercado, parecem bem mais atraentes, financeiramente falando. De um lado, programas educacionais no estilo da instrução programada, por mais criticáveis do ponto de vista pedagógicos, têm tido sucesso razoável no mercado – e, as vezes, sucesso até bem mais do que razoável! – , sendo bem mais fáceis de elaborar e possuindo custo bem menor. De outro lado, jogos sem pretensão pedagógica são verdadeiros best-sellers e não exigem tanto, em termos técnicos e pedagógicos, quanto um bom programa educacional. Isto faz com que os bons jogos, verdadeiramente pedagógicos, acabem espremidos entre esses dois produtos, não oferecendo, devido ao seu alto custo e à concorrência de outros tipos de software, grandes atrativos às empresas de desenvolvimento de software. A única solução, por enquanto, tem sido o apoio financeiro de fundações e de órgãos governamentais envolvidos com a educação.
Dada a sua complexidade, o desenvolvimento desses jogos esta acima da capacidade de um professor isolado. Uma maneira de solucionar o problema seria estimular equipes interdisciplinares de pesquisadores e professores universitários a desenvolver esses programas justamente com os professores do 1º e 2º graus.
Os jogos pedagógicos prestam-se a utilização em qualquer área do currículo e em qualquer grau do processo de escolarização. Ma sé necessário que, em seu planejamento, o professor selecione muito bem aqueles de que vai lançar mão, refletindo sempre sobre a maneira como a aprendizagem estimulada pelo jogo se insere em seu plano curricular, dentro dos objetivos educacionais que pretende desenvolver naquele segmento do currículo.
Isso não significa excluir os jogos que ensinem habilidades e conceitos que não se encaixam bem dentro do contexto curricular. Certamente deve haver lugar para eles. Mas deve haver também o cuidado para que o tempo gasto com os jogos seja visto e percebido pelos alunos como [arte integrante de seu processo educativo, e não como um mero momento de recreação.
3. Aprendizagem por Descoberta – o LOGO
Há, hoje em dia, várias linguagens de programação para a área da educação. A mais antiga e mais famosa é o LOGO – que também é a que mais ênfase dá à aprendizagem, na verdade, à auto-aprendizagem. Por isso, embora não seja a única a representar essa abordagem, vamos nos concentrar nela, para poder captar um pouco mais detalhadamente a sua filosofia.
LOGO não é só o nome de um linguagem de programação, mas também de um filosofia da educação. A linguagem foi desenvolvida nos anos 60, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, Massachusetts, sob a supervisão do professor Seymour Papert. A filosofia emergiu dos contatos de Papert, de um lado, com a obra do psicólogo e epistemólogo suiço Jean Piaget, e, de outro lado, com as pesquisas, do MIT e de outros centros de estudo, sobre o problema da inteligência artificial. Fundamentando-a em uma filosofia da educação, não é de admirar que os criadores da linguagem de programação LOGO tenham resolvido torná-la um instrumento, o mais adequado possível, para aplicações na área educacional.
Não muito conhecido, até há bem pouco tempo, a não ser em círculos acadêmicos, o LOGO está rapidamente se tornando uma das linguagens mais usada em contextos educacionais r uma das mais populares em microcomputadores.
Deixando, por ora, a linguagem de lado, consideremos brevemente a filosofia da educação que a fundamenta. Esta parte do seguinte pressuposto: muitas das coisas que uma criança aprender são, sem dúvida, decorrentes de um processo de ensino deliberado e formal. Mas muitas outras ela aprende através da exploração, da busca, da investigação. Essa aprendizagem não é decorrente do ensino , pelo menos não do ensino formal e deliberado, e pode ser caracterizada como uma verdadeira auto-aprendizagem. Várias filosofias da educação têm enfatizado a importância, para a formação intelectual da criança, desse tipo de aprendizagem, e diversos estudos têm mostrado que aquilo que ela aprende porque fez, porque investigou, porque descobriu por si mesma, não só tem um significado todo especial para o desenvolvimento de suas estruturas cognitivas, por se constituir numa aprendizagem altamente significativa para a criança, como é retido por muito mais tempo.
É esse tipo de aprendizagem que a filosofia na educação LOGO pretende que seja incentivado e desenvolvido com a ajuda da linguagem de programação LOGO. Esta, portanto, não tem, de modo algum, o objetivo de estimular a aprendizagem tipicamente passiva, caracterizada pela mera absorção de informações e conhecimentos repassados através do ensino. Considera-se importante estimular a auto-aprendizagem, a que ocorre no processo de exploração e investigação, e que, portanto, acompanha-se sempre do prazer da descoberta ¾ pois o aprender deve ser, em geral, algo agradável e divertido, que traz prazer, e não algo maçante e indigesto, que tem lugar por mera obrigação.
É importante ter isso em mente ao discutir o LOGO, pois essa linguagem não foi desenvolvida para ser apenas mais uma linguagem de programação, mas sim para funcionar como ferramenta importante da promoção de uma aprendizagem ativa, dinâmica, relevante e significativa. A linguagem LOGO surgiu, portanto, como instrumento de uma filosofia da educação. Tão importante quanto discutir suas características técnicas é entender a filosofia da educação que a produziu e a fundamenta.
Sendo uma linguagem voltada para o trabalho com crianças, o LOGO não poderia deixar de fazer uso de gráficos. Seus criadores dotaram-no, portanto, de excelentes recursos gráficos , em alta resolução, manipuláveis tanto em modo de execução imediata como por programas, através de comandos bastante simples, mas poderosos. Esses recursos gráficos, centrados na famosa "tartaruga" (um cursor gráfico que acabou tornando-se o símbolo do LOGO), permitem à criança desenhar na tela com relativa facilidade e com uma grande vantagem em relação aos desenhos com lápis e papel: ao desenhar na tela, a criança é forçada a pensar sobre o que está fazendo e, nesse processo, aprende coisas importantíssimas, não só sobre o projeto que está desenvolvendo, mas também sobre como ela própria pensa e como o computador funciona.
Esses recursos gráficos mostraram-se tão úteis e eficientes no trabalho educacional, que várias outras linguagens de programação acabaram anexando aos seus próprios comandos o subconjunto de comandos gráficos do LOGO. Isso ocorreu com algumas versões de BASIC, PILOT (outra linguagem voltada para a educação, mas com filosofia diversa), FORTH, COMAL, etc. Além disso, inspirados nos gráficos da tartaruga do LOGO, surgiram vários pacotes gráficos, vendidos em fita, disquete ou cartucho, para os mais diferentes tipos de microcomputadores. E, ultimamente, estão sendo anunciados até mesmo pacotes gráficos para uso profissional que operam à base do LOGO.
O que muitos dos leitores talvez desconheçam é que o LOGO, embora dedicado especificamente à educação, não é uma linguagem voltada apenas para crianças: possui poderosíssimos recursos para manipulação de palavras e listas, sendo muito usado em trabalhos sofisticados de inteligência artificial. Isso significa que a criança pode começar com a parte gráfica e ir gradativamente progredindo até tornar-se, se assim o desejar, competente em todos os aspectos que uma linguagem de programação bastante completa pode oferecer. O potencial do LOGO não se esgota, portanto, de modo algum, nos belíssimos desenhos que mesmo uma criança bem nova consegue fazer na tela, com poucos e simples comandos, e que exigiram, em uma outra linguagem, linhas e linhas de programação.
No âmbito deste trabalho, não é possível discutir os aspectos mais sofisticados da linguagem LOGO, principalmente os relativos a processamento de listas, os quais, em grande parte, foram formados do LISP. Vou discutir, portanto, brevemente, certas características genéricas e, em seguida, alguns poucos aspectos referentes ao uso dos recursos gráficos na educação.
O LOGO é, em primeiro lugar, uma linguagem orientada para programação basicamente modular e estruturada, voltada para o uso de procedimentos. Seus comandos dividem-se, basicamente, em comandos primitivos, que já vêm implementados na linguagem, e em nomes ou rótulos de procedimentos, escritos pelo usuário, que, uma vez na área de trabalho (memória), são executados como se fossem comandos primitivos. A maior parte dos comandos primitivos, e todos os procedimentos, podem ser executados em modo direto ou ser acionados a partir de um (outro) procedimento. É possível, por exemplo, fazer um desenho na tela (um quadrado, digamos) em modo direto de execução, usando os comandos primitivos, verificar qual a seqüência de comandos que o produziu e em seguida dar um nome a essa seqüência ¾ QUADRADO, ou qualquer outro. Este passa então a ser um novo comando: sempre que o usuário digitar QUADRADO, o LOGO desenhará na tela a figura correspondente.
Dessa forma, ao invés de desenhar linearmente uma casa, é muito mais fácil e eficiente aprender a desenhar um quadrado, um triângulo, um retângulo, um paralelogramo ou um trapézio que representa o telhado, uma chaminé ou uma antena de televisão, uma porta, uma janela etc. etc., e depois juntar tudo isso em um superprocedimento chamado CASA. Nesse processo a criança aprende noções de programação estruturada e técnicas importantes de solução de problemas, como o princípio de que freqüentemente é mais fácil solucionar vários problemas menores do que um problema grande.
O LOGO tem como outra característica o fato de ser uma linguagem extremamente interativa e amiga. Como já disse, os desenhos podem ser feitos, inicialmente, em modo direto de execução. Cada erro de sintaxe é respondido com uma mensagem de erro clara e precisa, como, por exemplo, O COMANDO REPITA PRECISA DE DOIS PARAMETROS ¾ e não com um vago ERRO DE SINTAXE. Quando da programação de um procedimento, o editor do LOGO permite defini-lo, alterá-lo ou corrigi-lo de maneira extremamente simples.
Ocupemo-nos agora dos comandos gráficos básicos. Eles permitem ao cursor movimentar-se, sobre a tela de alta resolução, ou deixando um rastro, que em alguns sistemas pode ser de uma cor especificada, ou apagando um rastro anteriormente feito, ou ainda sem deixar rastro.
Qual, porém, a utilidade pedagógica de fazer a tartaruga andar? Fazendo isso, a criança conseguirá desenhar na tela desde figuras bastante simples até sofisticadas obras de arte e complexos gráficos para uso profissional. Ao desenhar, ela descobrirá alguns princípios muito importantes sobre ângulos, distâncias, perspectiva, etc., acabando por dominar a chamada Geometria da tartaruga. Mais do que isso: aprenderá a desenvolver certas habilidades e atitudes indispensáveis para a solução de qualquer tipo de problema. Vou ilustrar isso logo adiante.
Antes, vejamos brevemente os principais comandos gráficos que a tartaruga reconhece para se movimentar pela tela. Darei deles uma versão aportuguesada, com o nome original entre parênteses. A versão em português não corresponde, necessariamente, à de nenhum LOGO existente.
PARACASA (HOME) ¾ A tartaruga dirige-se para o centro da tela e sua "cabeça" aponta diretamente para cima. Em algumas versões do LOGO, esse comando também limpa a tela, sendo usado para ingresso no modo gráfico de alta resolução.
PARAFRENTE (FORWARD) n ¾ A tartaruga vai para frente n pontos de tela. (Frente, para a tartaruga, é qualquer direção para a qual a sua cabeça esteja apontando. Depois de um comando PARACASA, frente é diretamente para cima, na tela).
PARATRAS (BACK) n ¾ A tartaruga vai para trás, dando marcha à ré, n pontos de tela. (Atrás é uma direção diametralmente oposta ¾ 180 graus ¾ àquela em que ela andaria se o comando fosse PARAFRENTE. PARAFRENTE 100 seguido de PARATRAS 100 mantêm a tartaruga na mesma posição, apontando na mesma direção. Depois de um comando PARACASA, atrás é diretamente para baixo, na tela.)
PARADIREITA (RIGHT) n ¾ A direção em que a tartaruga está apontando é alterada em n graus, para a direita ¾ mas a tartaruga não anda (não muda de posição: só de direção).
PARAESQUERDA (LEFT) n ¾ Idem, para a esquerda. (PARADIREITA 180 ou PARAESQUERDA 180 levam a tartaruga, naturalmente, a apontar uma mesma direção, não importando qual comando tenha sido usado. PARADIREITA 360 e PARAESQUERDA 360 mantêm a tartaruga apontando na mesma direção em que apontava antes do comando.)
A tartaruga tem sempre uma posição e uma direção. A referência ao seu estado em um dado momento indica sua posição e sua direção.
Há outros comandos, de que não trataremos aqui, por falta de espaço. Por ora, só mais um:
REPITA (REPEAT n [ ] ¾ A tartaruga repete n vezes o comando ou os comandos colocados entre colchetes. REPITA 100 [PARAFRENTE 1] é equivalente a PARAFRENTE 100.
Vejamos, por fim, muito sucintamente, o que está envolvido em um desenho típico que uma criança faz na tela, pois o valor pedagógico do LOGO manifesta-se até mesmo nesse simples procedimento. Suponhamos que a criança se proponha a desenhar uma casa. Se já conhece ângulo e sabe o valor de uma ângulo reto, possivelmente ela não terá maiores dificuldades para desenhar um quadrado. Poderá fazê-lo assim:
EDITE QUADRADO
PARAFRENTE 100 PARADIREITA 90
PARAFRENTE 100 PARADIREITA 90
PARAFRENTE 100 PARADIREITA 90
PARAFRENTE 100 PARADIREITA 90
FIM
Ou, então, de modo muito mais simples:
EDITE QUADRADO
REPITA 4 [PARAFRENTE 100 PARADIREITA 90]
FIM
Ao executar esse procedimento, a criança terá na tela um quadrado com lado de 100 pontos. Se ela ainda não possui a noção de ângulo, é necessário permitir-lhe explorar e tentar vários parâmetros, até que produza algo com o que fique satisfeita, em termos de seu projeto.
Até aí, tudo bem. Mas, e o telhado? Ela pode tentar construir um telhado continuando o mesmo procedimento. Teria que trazer a tartaruga para o canto superior do quadrado, e mandá-la virar n graus para a direita ou para a esquerda, dependendo do canto em que estivesse. Quantos graus? Segundo a filosofia da educação LOGO é preciso deixar a criança explorar. Explorando, ela vai chegar, mais cedo ou mais tarde, perto de algo como 45 graus, se gosta de figuras bem proporcionais. Mas, e daí? Alterada a direção da tartaruga em 45 graus, quantos pontos deve ela percorrer para frente, de modo a fazer uma caída simétrica no telhado da casa, caso seja isso que a criança quer? O lado do quadrado tem 100 pontos. Como, para se obter uma caída simétrica, o vértice do telhado dever estar na direção do meio do lado superior do quadrado, a criança pode ser tentada a fazer uma tartaruga caminhar 50 pontos para frente. Não daria muito certo. A criança teria que continuar tentando, até chegar ao número adequado. Já vi crianças instruindo a tartaruga a andar para frente um ponto de cada vez, até chegar ao lugar desejado, contando, ao mesmo tempo, o número de pontos que ela teve que andar para chegar lá. Mas imaginemos que, de uma forma ou de outra, tenha sido descoberto o número mágico. A tartaruga agora está no meio do lado superior do quadrado, cerca de 50 pontos acima desse lado. Qual o ângulo que deverá virar, para descer até o outro canto superior do quadrado? Normalmente demora um pouco para a criança perceber qual é o ângulo, mas cedo ou tarde ela o descobre.
O importante de todo esse processo é que a criança vai aprendendo, naturalmente, conceitos e princípios importantes, não só de Geometria, mas também sobre como resolver um problema. Em um dado momento ela entende, por exemplo, o teorema de Pitágoras, sem nunca Ter visto a sua fórmula. Esta, quando lhe for apresentada, será algo significativo e concreto, ancorado em sua experiência, e não algo abstrato, que ela deve decorar.
É nisso que reside o poder do LOGO, como filosofia da educação e como linguagem de programação.
Em termos dos graus ou níveis do ensino, a linguagem LOGO pode ser utilizada desde a pré-escola até o ensino superior. Seus recursos gráficos a tornam especialmente recomendável para crianças pequenas, mesmo antes de alfabetizadas. Existem periféricos, hoje em dia, tanto de entrada como de saída, que permitem à criança ainda não alfabetizada trabalhar com o LOGO. Dos periféricos de entrada, o mais importante é a chamada caixa de botões, que não é senão uma caixa que, por dentro, tem circuitos eletrônicos e, por fora, botões coloridos, ao invés de teclas alfanuméricas. Cada botão é de uma cor diferente e corresponde a um comando gráfico do LOGO. A criança associa cada comando a uma cor e pode utilizá-los sem precisar digitar as instruções. Em termos de periférico de saída, o mais conhecido é a tartaruga de solo. Trata-se de um equipamento que, acoplado ao microcomputador, executa a maior parte das funções que a tartaruga de tela executa, só que, ao invés de desenhar na tela, desenha no chão, com um giz, ou sobre o papel colocado no chão, com uma caneta. Dessa forma as crianças menores podem visualizar muito mais facilmente o que está acontecendo, sem necessidade de transpor o plano vertical da tela para o plano horizontal em que se movimentam.
Mas o LOGO certamente não é uma linguagem só para crianças. Tem sido utilizada na escola secundária e mesmo no ensino superior. Estão sendo realizados, atualmente, experimentos interessantes sobre o uso do LOGO ensino universitário de Física, de Geometria, etc.
Quanto às áreas curriculares, não resta dúvida de que a Matemática, particularmente a Geometria, é aquela em que se tem desenvolvido a maior parte dos trabalhos, em virtude dos recursos gráficos do LOGO. A seguir vêm outras áreas dentro das ciências exatas, em especial a Física. Mas o LOGO tem grande potencial também na área de lógica e linguagem, devido aos seus recursos relativos a processamento de listas. Porém esta não tem ainda sido tão explorada quanto a Geometria.
4. Pacotes Aplicativos
Por fim gostaria de falar um pouco sobre o uso, em contextos educacionais, de pacotes aplicativos genéricos, como processadores de texto, gerenciadores de bancos de dados, planilhas eletrônicas, etc.
Normalmente, não se atribui importância pedagógica a tais aplicativos. Contudo, muitos educadores e muitas escolas têm concluído que seu uso é não só uma maneira interessante e útil de apresentar o computador aos alunos, como também em excelente recurso para prepará-los para o uso regular do computador em suas vidas profissionais. É quase inconcebível que, no futuro, algum profissional possa desempenhar suas funções sem utilizar, direta ou indiretamente, um aplicativo desse tipo.
Mas é o uso pedagógico desses aplicativos que nos interessa aqui.
Há maneiras muito interessantes de explorar pedagogicamente a atração que o computador exerce sobre a criança. É novamente Papert, no livro já mencionado, que discute o potencial do computador no desenvolvimento da capacidade de redação da criança. À primeira vista isso pode parecer implausível, porque o computador é geralmente tido como um equipamento especializado em lidar com números e cálculos. Mas todos os computadores, inclusive os pequenos microcomputadores pessoais, possuem programas para processamento de texto, que permitem que o usuário componha, edite e (caso tenha uma impressora) imprima um texto, com extrema facilidade. Mas de que modo programas como esses podem ter valor padagógico?
Um adulto, quando redige, principalmente se é um autor profissional ou semiprofissional, normalmente faz um rascunho e depois o aprimora durante um período relativamente longo. Para ele, é normal que a primeira versão de seu texto não saia perfeita e que precise ser modificada, alterada, aprimorada, através de um trabalho contínuo de edição. Isso é considerado normal. No entanto, quando se dá um trabalho de redação a uma criança, esquece-se, freqüentemente, de que, para ela, em especial, o ato físico de escrever é penoso e vagaroso. Fixa-se, às vezes, um limite de tempo para a elaboração de sua redação. Muitas vezes tal limitação impede-a de fazer um rascunho, e por isso a versão inicial é também a final. Exige-se, além do mais, caligrafia bonita e obediência às regras gramaticais. Tendo que levar em conta tantos requisitos, a criança acaba por se ocupar de tudo, menos da tarefa de redigir alguma coisa realmente significativa! A habilidade de ler e reler o texto com olhos críticos, nessas condições, não pode ser desenvolvida na criança. Às vezes ela até dá "uma relida" no trabalho, e gostaria de modificar alguma coisa ¾ mas modificar significa rasurar, e rasuras não são bem vistas.
Todos esses fatos alteram-se radicalmente quando a criança tem acesso a um computador com processador de texto. Um processador de texto razoável, que hoje em dia custa pouco mais de que um cartucho de videojogo, pode dividir sílabas e corrigir ortografia, permite que o texto seja editado com extrema facilidade, imprime sempre uma cópia perfeita da última versão, etc. Com um programa desse tipo, a criança não precisa preocupar-se com a caligrafia e a ortografia nem com as rasuras: ela pode, enfim, concentrar-se na tarefa de redigir. Se não gostou do que escreveu da primeira vez, pode alterar, modificar, editar a redação até que fique de seu agrado. A seguir, o texto será impresso de maneira perfeita. Tudo de modo muito simples e, por que não dizer, divertido ¾ pois trabalhar com um processador de texto é, acima de tudo, divertido.
Todos os adultos que passaram a utilizar um processador de texto são unânimes em afirma que sua produção de textos aumentou, significativamente, em quantidade e qualidade. Escritores profissionais, hoje em dia, geralmente só escrevem com processador de texto. Por que não colocar esse recurso à disposição de quem tanto precisa dele e de quem, em especial, poderia beneficiar-se grandemente com sua utilização? A experiência tem mostrado que crianças com dificuldades de redação podem, através do uso de um processador de texto, passar em poucas semanas, de uma total rejeição da atividade de redação para um total envolvimento nessa tarefa, além de demonstrarem melhoras sensíveis na qualidade de seus textos. Mudanças ainda mais perceptíveis poderão ser observadas no caso de crianças portadoras de alguma deficiência física que torna a escrita difícil ou mesmo impossível.
Análises semelhantes poderiam ser feitas em relação aos outros aplicativos mencionados, como gerenciadores de bancos de dados e planilhas eletrônicas.
Antes de passarmos às conclusões, é importante fazer duas observações acerca das modalidades de utilização do computador em educação e de suas implicações.
A primeira consiste apenas em reiterar o que dissemos anteriormente, a saber, que quase toda forma de utilização do computador por parte de crianças deverá surtir algum benefício pedagógico. Algumas formas de utilização serão mais adequadas para o desenvolvimento de certas habilidades, algumas formas se adaptarão melhor à consecução de outros objetivos educacionais. Educar é uma tarefa complexa, cujo sucesso reside na sua aptidão para fazer com que a criança desenvolva uma série de habilidades, capacidades, competências, sensibilidades, etc. É ingênuo imaginar que o computador possa ajudar igualmente bem em todos esses aspectos. Também é ingênuo imaginar, porém, que apenas uma ou duas formas de utilização do computador serão pedagogicamente benéficas.
A ênfase deve ser colocada em um contato aberto, não-restritivo, multidimensional das crianças com o computador. Se isso for feito, elas provavelmente irão descobrir maneiras ainda mais interessantes e úteis de se beneficiar do contato com o computador do que as que mencionei aqui. Em um breve mais interessante artigo em Personal Computing de agosto de 1985, Adeline Naiman, autora de um estimulante texto introdutório sobre o uso de computadores na educação, afirma: "A melhor coisa que aconteceu em relação ao uso de computadores na educação foi que eles começaram a ser usados, tanto na escola como no lar, antes que existissem peritos no assunto que pudessem dizer aos professores e aos pais o que é que as crianças deveriam estar fazendo com o computador".
Dessa forma, em muitos casos as crianças encontraram seus próprios caminhos antes de que pedagogos pudessem começar a escrever suas teses de doutoramento sobre o assunto e especificar o que as crianças poderiam, ou não deveriam, fazer com o computador.
A segunda observação está, de certa forma, relacionada à primeira. Afirma que quase toda forma de utilização do computador pode ter efeitos pedagógicos benéficos não significa dizer que toda forma de contato com o computador terá exatamente os mesmos resultados. Determinadas formas são mais adequadas e certos objetivos, outras formas se prestam melhor a finalidades distintas.
Tal fato tem gerado, porém, graves preocupações, a ponto de até mesmo uma revista pouco inclinada a entrar nessas questões, como é o caso de Byte, ter dedicado ao assunto seu editorial de julho de 1985. Muitas pessoas ressaltaram o fato de que as escolas que servem os segmentos mais favorecidos da população são as primeiras a introduzir computadores no processo pedagógico. Isso não é novidade. O que está começando a transparecer agora é que quando as escolas voltadas para os segmentos menos favorecidos introduzem computadores no ensino, o uso destes tende a ser dominado por instrução programada, enquanto nas escolas mais ricas seus principais usos destinam-se a estimular a criatividade ou aumentar a eficiência pessoal. A se manter essa diferenciação, um novo tipo de discriminação poderia aparecer, mesmo que o computador se tornasse disponível, a ou em, todas as escolas!
Byte afirma: "O problema da ineqüidade relacionado ao uso do computador na educação emerge como um problema genuíno quando se considera quão difícil seria para uma criança sem acesso a um processador de textos competir com um colega que tivesse esse acesso. O aluno que tem acesso ao processador de textos pode revisar e polir seu texto muito mais do que o aluno que não tem esse acesso. Mesmo que todas as outras coisas sejam iguais, um trabalho sem revisão, escrito a mão, em folhas de caderno, não pode competir com um trabalho que sofreu 10 revisões, cuidadosamente impresso. Naturalmente, o processamento de texto é apenas uma dentre as muitas maneiras pelas quais os computadores podem tornar os estudantes mais produtivos, dando-lhes assim, vantagem na competição que têm que enfrentar na escola e na vida".
Dissemos antes que a utilização do computador na escola poderia acentuar ou, quem sabe, ajudar a diminuir a distância entre as classes sociais, dependendo da maneira como for feita. É esse fato que deve tornar-nos conscientes da importância do problema.
Espero ter mostrado que o computador é um instrumento poderoso e versátil na área da educação, que, se usado com inteligência e competência, pode tornar-se um excelente recurso pedagógico à disposição do professor em sala de aula. De que maneira os professores usarão o computador, se é que decidirão utilizá-lo; dependerá, porém, não só dos recursos disponíveis, mas, também, de seu conhecimento do potencial dos computadores e, algo muito importante, de sua filosofia da educação. Dado o fato de que os recursos financeiros inevitavelmente serão limitados na maioria absoluta das escolas, os educadores terão que tomar decisões e definir prioridades. Para que essas decisões sejam tomadas com conhecimento de causa, é necessário que conheçam o que o computador pode e o que não pode fazer na educação, o que pode ser feito melhor com o auxílio do computador e o que pode muito bem ser feito sem ele. Só assim os educadores colocarão o computador a serviço dos objetivos pedagógicos por eles fixados. Se eles não se preocuparem com essas questões, o computador provavelmente será, mais cedo ou mais tarde, introduzido no ensino, mas em condições tais que os objetivos da educação acabarão tendo que se curvar às limitações da máquina.
Ainda há condições, hoje, de os educadores tomarem as rédeas da situação, de modo a fazer com que o computador fique a serviço da educação e de seus objetivos, e não vice-versa. Para tanto, porém, é preciso que decidam explorar os recursos do equipamento, numa tentativa séria de encontrar maneiras inteligentes de atingirmos objetivos de uma educação criativa e inovadora.
Se os educadores não optarem por conduzir o processo, serão por ele conduzidos.
IV. Conclusões
À guisa de conclusão, gostaria de tecer algumas considerações gerais e ousar algumas recomendações.
Quais as principais dificuldades que as propostas de introdução do computador na escola devem enfrentar?
Apesar da redução do custo do hardware dos computadores, que se tem verificado até mesmo no Brasil, é possível que o custo do software educacional de qualidade não se reduza na mesma proporção. Logo, uma das principais dificuldades será de natureza econômico-financeira. As escolas particulares do 1.º e 2.º graus podem ter maneiras de transpor semelhante obstáculos, mas na rede pública isso dificilmente acontecerá se não houver um esforço concentrado do governo, dos fabricantes e da sociedade em geral.
A produção de software educacional de alta qualidade técnica e sofisticada pedagogia é um desafio ao qual nem mesmo as nações mais desenvolvidas têm conseguido fazer frente. Para sermos bem sucedidos nessa tarefa, teríamos que contar com analistas e programadores trabalhando em cooperação com especialistas em desenvolvimento de materiais instrucionais, em metodologia de ensino, em psicologia da aprendizagem, em avaliação educacional, etc. Atualmente, na maior parte dos casos, esses profissionais não estão nem sequer conversando uns com os outros – quanto mais trabalhando juntos! O que temos, hoje, em termos de software educacional, com raríssimas exceções, não passa de material ridiculamente ingênuo do ponto de vista pedagógico, elaborado, em geral, por analistas e programadores que, na melhor das hipóteses, são tecnicamente capazes, mas não conhecem o be-a-bá da educação.
A terceira grande dificuldade será a formação de recursos humanos, o que abrange o treinamento de professores, para a utilização competente do computador em seu trabalho; de especialistas nas várias áreas da educação, para o trabalho com analistas e programadores; e de especialistas em computação, para o trabalho com sentido, os projetos dificilmente serão bem sucedidos, mesmo que haja recursos e que, por milagre, apareça software educacional de qualidade. Não é exagero dizer que nem mesmo os melhores projetos de utilização do computador na educação terão a mínima condição de sucesso sem que o problema da formação de recursos humanos seja adequadamente equacionado.
As escolas, enquanto instituições sociais, são muito conservadoras, resistindo sempre, às vezes com vigor, mesmo às mais tímidas tentativas de mudança da ordem estabelecida. Especialmente quando se trata da introdução de inovações tecnológicas, a escola encontra as mais variadas maneiras de resistir. Será necessário todo um processo de sensibilização da escola – que no entanto somente surtirá efeito quando os proponentes da introdução do computador na educação puderem mostrar resultados reais. Isso nos anuncia outra dificuldade.
Referimo-nos à impaciência – de pais, de alunos, de professores, de fabricantes de computadores, de produtores de software, da sociedade em geral . A impaciência surgirá porque todos os problemas que estamos apontando exigem tempo, e bastante tempo, para serem equacionados. A exploração do pleno potencial do computador na educação fará com que, cedo ou tarde, ocorram mudanças significativas na maneira de ensinar e de aprender das pessoas. Até que isso aconteça, o panorama revelará freqüentemente a existência de sistemas híbrido, em que um recurso poderoso como o computador terá que conviver com meios de ensinar e aprender bastante convencionais e tradicionais. Se, porém, novas maneiras de ensinar e aprender, envolvendo o computador, têm que ser encontradas, descobertas, inventadas, todos nós, educadores e leigos, precisamos dar tempo para que as experiências e as explorações aconteçam, sem apressar indevidamente o processo cobrando resultados imediatos. Precisamos, talvez, suspender julgamentos negativos, conter o ímpeto de exigir transformações sensíveis de uma hora para outra e permitir que evolua com seu ritmo próprio o lento processo de criação de novos materiais instrucionais e curriculares, vinculados ao uso educacional do computador.
V. Algumas propostas
Como contornar as dificuldades que apontamos?
No que se refere ao custo do equipamento, o peso desse fator poderia ser atenuado através de planos e projetos especiais dos fabricantes nacionais para as vendas a escolas. Dada a limitação inicial do mercado, que impediria consumo em alta escala, poder-se-ia cogitar de encaminhar os nossos legisladores sugestões de possíveis incentivos aos fabricantes que doassem equipamentos para instituições educacionais ou que os vendessem mediante planos especiais. Essa prática tem sido adotada em vários países.
Quanto ao software educacional de qualidade, poder-se-ia estimular sua produção de várias maneiras: através de incentivos às software houses interessadas para que, autonomamente ou em convênio com universidades vinculadas a escolas do 1º e 2º graus, se engajem em projetos sérios de desenvolvimento de software educacional (medida em parte sugerida no Primeiro Seminário de Informática na Educação); através de financiamentos às universidades para que se empenhem no desenvolvimento desse software e para que promovam programas de pós-graduação interdisciplinares, voltados tanto para profissionais de educação interessados em se envolverem com programação como para profissionais de informática interessados em se familiarizarem com educação.
Essa última medida será decisiva para o enfrentamento da questão dos recursos humanos. Enquanto não existem cursos de pós-graduação interdisciplinares, as universidades e outras instituições voltadas para a formação de recursos humanos deveriam oferecer cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão, com o objetivo de preparar, tão bem quanto possível, dentro das limitadas possibilidades desses cursos, os profissionais interdisciplinares de que necessitamos.
A resistência das escolas ser parcialmente vencida através de programas nos meios de comunicação de massa, como os que já começam a ser veiculados em nosso meio. É necessário, porém, que haja nesses programas maior participação de educadores e dos demais agentes da educação.
A impaciência não pode ser afastada facilmente. É preciso que o governo continue a incentivar a pesquisa séria nas universidades, em especial o Projeto EDUCOM, talvez até aumentando o número de universidades nele incluídas, para que a tarefa de gestação do projeto brasileiro de informática na educação chegue a bom termo, cumprindo os objetivos para os quais foi instituído.
Para terminar, não podemos nos esquecer do fato de que, talvez, o maior impacto do computador na educação se dê, pelo menos por enquanto, fora da escola, através daquilo que as crianças aprendem nos bancos, nas lojas, na televisão, nas revistas e nos livros, nas feiras de informática, eventualmente nos empregos e, às vezes, até mesmo em casa. Na verdade, a grande incógnita reside no comportamento do sistema educacional: desprezará este, do mesmo modo que fez com os televisores, a difusão dos computadores e todas as suas conseqüências? Permitirá que o conhecimento e as atitudes das crianças sejam mais influenciados pelo que aprendem no meio extra-escolar do que pelo que aprendem na escola propriamente dita?
Em face desse fato, ousaria sugerir aos nossos legisladores que estudem a possibilidade de que as pessoas que adquirem microcomputadores para o uso na educação, própria ou dos filhos, possam abater do Imposto de Renda o seu custo, ao longo dos anos, sob a rubrica de despesas educacionais.
[Este texto é a contribuição de Eduardo O C Chaves ao livro O Uso de Computadores em Escolas, escrito por ele e por Valdemar W. Setzer (Editora Scipione, São Paulo, 1988), pp.5-67. O livro está atualmente esgotado.]
© Eduardo Chaves, 1988
http://www.edutec.net/Textos/Self/EDTECH/scipione.htm
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Last revised: 04 mai 1999
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