sábado, 24 de abril de 2010

Para que se educa? pela FOLHA de SP

Para que se educa?
MICHELLE PRAZERES
ESPECIAL PARA A FOLHA

No ato de uma empresa de turismo usar escolas como mídias para divulgar viagens à Disney está em jogo, acima de tudo, uma concepção de educação. Para que educamos? Para o desenvolvimento? Para o crescimento? Para sermos bem-sucedidos no mercado de trabalho? Para a vaidade e o hedonismo? Para a cidadania e a dignidade? Ou a ênfase está na formação de consumidores?
Interessa aqui discutir a educação como processo amplo de formação dos indivíduos, socializados por influência de múltiplas matrizes culturais, que transmitem valores, visões de mundo, saberes e percepções.
Na modernidade, as mídias e a publicidade despontam como matrizes que -com a família, a escola, os grupos de pares, os colegas de trabalho e outras instituições- são responsáveis pela formação das pessoas.
Nessa iniciativa, a escola se alinha ao discurso do consumismo que vemos hoje em dia, em especial na mídia dirigida a crianças. Quando a escola se entrega a esse projeto, fica comprometido o seu papel enquanto reduto de reflexão e o sentido da educação como processo de preparação para a vida.
A escola é o lugar do saber legítimo, que se crê oficialmente importante para ser passado. O problema é que, historicamente, esse saber é produto de disputas de poder nem sempre democráticas. E se, nos tempos modernos, um dos vetores de poder é a publicidade (o mercado), seria "natural" que ela estivesse na escola.
Mas, se o "clima pró-consumo" já existe em tantas outras instâncias, a escola deve reforçá-lo? Ceder ao apelo publicitário é empobrecer o sentido humano da educação. E esse sentido enxerga nas crianças outras possibilidades além de consumidores: leitores, produtores de conhecimento, investigadores, críticos, lúdicos etc.
Hoje, todo espaço público, todo corpo pode virar um meio de divulgar uma marca. Na escola, a criança percebe aquele discurso como positivo e, mais grave, que tem o respaldo de pessoas em quem ela e os pais confiam. E tudo de maneira dócil. Por isso não nos causa incômodo. Mas deveria incomodar.
MICHELLE PRAZERES, jornalista, desenvolve pesquisa sobre a entrada das mídias nas escolas em doutorado na Faculdade de Educação da USP.

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