terça-feira, 1 de maio de 2012

Nicholas Carr: a Internet danifica o cérebro

por computerworld Veja se isto não lhe é familiar: está a ler um artigo num jornal online sobre o derrame de petróleo no Golfo do México, mas antes de chegar a meio já clicou noutros links que o levam a outras notícias que lhe chamaram a atenção sobre biologia marinha, Sarah Palin ou “Moby Dick”. Quando volta à história original, um par de alertas diz-lhe que um amigo seu actualizou a sua página no Facebook e o seu filho escreve no Twitter algo sobre o mundial de futebol, com um link para um vídeo espectacular com os melhores golos do campeonato. Você não resiste, claro, e quando por fim regressa ao artigo que começou a ler no jornal online, já não se recorda do motivo do seu interesse e não termina de o ler. Num polémico ensaio que publicou em 2008 no The Atlantic, o autor Nicholas Carr perguntava se “o Google nos está a tornar estúpidos”. Nessa altura, eu sentia que a Web podia distrair-nos ao ponto de nos impedir de realizar outras tarefas importantes, mas daí a tornar-nos mais estúpidos vai uma grande distância. Nicholas Carr apronfundou agora o ensaio que escreveu nessa altura, transformando-o num livro com o título “The Shallows: O que a Internet está a fazer com o nosso cérebro”, que fala sobre a estrutura do cérebro e os efeitos que a constante estimulação tem na nossa capacidade de nos concentrarmos, recordarmos, racionalizarmos e até mesmo relacionarmos uns com os outros. Como já deve ter percebido, Nicholas Carr não acredita propriamente que a Internet nos está a tornar mais espertos. “Ao longo dos últimos anos, tenho tido a desconfortável sensação de que alguma coisa tem andado a mexer com o meu cérebro, a mudar os meus circuitos neuronais e a reprogramar a minha memória”, escreve o autor, que atribui ao Google grande parte da culpa. “Cada clique que damos na Web marca uma paragem na nossa concentração e representa uma fonte de desvio da nossa atenção e o negócio do Google é pôr-nos a clicar o mais possível. O Google está, literalmente, no negócio da distracção”, acusa Nicholas Carr. Antes de continuar, devo dizer que o livro “The Shallows” não é um manifesto anti-tecnologia. Aliás, se o livro falha em alguma coisa é na falta de orientações ou soluções para os leitores que concordem com as suas conclusões. Nicholas Carr, um conhecido e prolífero blogger e comentador de assuntos de tecnologia, não pretende com este trabalho alongar-se nalgum tipo de intelectualismo contemplativo dos anos idos, lembrando, aliás, que a generalidade das tecnologias relacionadas com as novas formas de comunicação, da imprensa de Gutenberg à televisão dos nossos dias, é perturbadora da nossa atenção e tem, ao longo dos tempos, gerado todo o tipo de alertas da sociedade. Consideremos, por exemplo, o que o escritor inglês Barnaby Rich dizia em 1600, mais de 400 anos atrás: “Uma das grandes doenças dos nossos dias é a quantidade exacerbada de livros que existem e que sobrecarregam o mundo, que não é capaz de digerir a abundância de matéria que todos os dias eclode”. Mesmo se Carr se limitasse a falar da Internet e das tecnologias digitais como fontes de distracção, este livro continuaria a ser interessante, mas não muito significativo. Não é propriamente inovador perceber que escrever mensagens de texto enquanto se conduz é estúpido ou que responder a todos os tweets e clicar em todos os links nos impede de trabalhar. O que Carr faz é compilar elementos probatórios recolhidos a partir de trabalhos experimentais recentes, que mostram, segundo o autor, que o uso da tecnologia digital não só está a mudar a forma como fazemos as coisas, mas também como pensamos. Um desses trabalhos é o de Patricia Greenfield, uma especialista em psicologia de desenvolvimento da University of California, Los Angeles (UCLA), que estuda o uso dos média e o seu efeito na aprendizagem: “Qualquer meio desenvolve algumas competências cognitivas em detrimento de outras. O uso crescente de equipamentos com ecrãs, diz esta psicóloga, veio fortalecer a nossa inteligência visual e espacial, o que pode melhorar a nossa capacidade de realizar tarefas que envolvem a monitorização de múltiplos sinais em simultâneo, como por exemplo o controlo do tráfego aéreo. Mas este desenvolvimento traz também novas fraquezas nos processos cognitivos de ordem mais elevada, como por exemplo o vocabulário abstracto, a atenção, a reflexão, a resolução de problemas indutivos, o pensamento crítico e a imaginação”. Ou, como diz Carr, “estamos a tornar-nos cada vez mais ocos”. Há que dizer, no entanto, que também existem outros trabalhos experimentais que apontam na direcção contrária. Num polémico artigo de crítica literária publicado no New York Times no mês passado, Jonah Lehrer citou um conjunto de outros peritos da UCLA, que, segundo ele, “concluíram que a realização de pesquisas no Google estimula a actividade do cérebro, quando comparada com a leitura de livros, por exemplo”. Junah Lehrer, editor da Wired, tratou assim de contradizer a tese de Nicholas Carr, escrevendo que “esta área do cérebro controla capacidades específicas, como a atenção selectiva e a análise deliberada, que Carr diz terem sido fortemente afectadas na era da Internet. O Google, por outras palavras, não está a tornar-nos mais estúpidos, mas sim a exercitar precisamente os músculos do nosso cérebro que nos tornam mais espertos”. Nicholas Carr argumenta que o nosso cérebro é “plástico”, ou seja, que pode ser modificado de acordo com as tarefas que realizamos. “Quando estamos constantemente a ser distraídos e interrompidos, como acontece quando estamos online, o nosso cérebro não é capaz de forjar as conexões neurais fortes e expansivas que dão profundidade e especificidade ao nosso pensamento. Passamos a ser meras unidades de processamento de sinais, transferindo rapidamente pedaços desconexos de informação para dentro e para fora da nossa memória de curto prazo”, escreve o polémico autor. E, na sua opinião, até mesmo o uso de links que dão aos leitores acesso a informações úteis que não constam do texto tem as suas desvantagens. Erping Zhu, investigadora da Universidade do Michigan, testou a compreensão da leitura de algumas pessoas, pedindo-lhes que lessem o mesmo artigo online, fazendo variar o número de links incluído na passagem. Fez, depois, um teste aos sujeitos, o que lhe permitiu concluir que a compreensão foi caindo à medida que o número de links crescia. Os leitores foram obrigados a prestar cada vez mais atenção e a dedicar mais dos seus cérebros à avaliação dos links e à decisão de os abrir ou não.

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